Pauliceia desvairada por imagens
A 49ª edição da Mostra de São Paulo abre suas telas para o público e promete 380 filmes de 80 países daqui até o próximo dia 30, com estreias brasileiras de peso
A 49ª edição da Mostra de São Paulo abre suas telas para o público e promete 380 filmes de 80 países daqui até o próximo dia 30, com estreias brasileiras de peso
É uma vocação histórica da Mostra de São Paulo exibir potenciais concorrentes ao Oscar, o que justifica a presença de "Springsteen: Salve-me do Desconhecido", de Scott Cooper, na grade da edição 49 que, a partir desta quinta (16), promete 380 filmes vindos de 80 países à população cinéfila do país. Baseado no livro de Warren Zanes, a produção estrelada por Jeremy Allen White acompanha a criação do álbum "Nebraska", de 1982, quando Springsteen era um galeto ao belo canto na música, à beira do estrelato, lutando para conciliar as pressões do sucesso com os fantasmas do passado. Captado em um gravador de 4 canais no quarto do cantor, o LP dividiu águas em sua obra e é considerado um signo de uma América em tempo desterro, assombrada pelos fantasmas de sua invasão ao Vietnã. Espectros políticos de variadas ordens povoam muitas das produções convocadas pela maratona paulistana, que segue até o próximo dia 30, quando a exibição de "Jay Kelly", de Noah Baumbach, encerra a programação. Esse também é um oscarizável em potencial, pelo desempenho de Adam Sandler como coadjuvante numa trama sobre um astro em baque existencial (George Clooney).
Tem produções do planeta todo no menu, sendo que 85 delas têm DNA brasileiro, incluindo "O Filho de Mil Homens", com Rodrigo Santoro à frente uma narrativa pavimentada sobre a prosa de Valter Hugo Mãe. O escritor lusitano é o autor do cartaz oficial desta Mostra e virá ao país para debates. Confira dicas do que promete agitar as telonas da metrópole.
SEIS DIAS NAQUELA PRIMAVERA ("Six Jours Ce Printemps-Là"), de Joachim Lafosse (Bélgica): Melhor filme do 73º Festival de San Sebastián, de onde saiu com prêmios de Melhor Direção e Melhor Roteiro, este estudo sobre maternidade condena suas plateias a jamais esquecerem a trilha sonora do pianista holandês Reyn Ouwehand. Sob o embalo dela, Lafosse nos apresenta uma personagem inesquecível, Sana (Eye Haïdara), jovem mãe solteira que leva seus gêmeos à vila, hoje vazia, de seus ex-sogros, na Riviera.
A MEMÓRIA DAS BORBOLETAS ("La Memoria de las Mariposas"), de Tatiana Fuentes Sadowski (Peru): Um merecido Prêmio da Crítica na Berlinale ampliou o futuro desta produção documental peruana. Tatiana teve sua atenção capturada por uma foto antiga de dois homens indígenas levados a Londres para serem "civilizados" por volta da virada do século XX. Seus nomes eram conhecidos - Omarino e Aredomi - mas pouco ou quase nada se sabia sobre eles. Por isso, Tatiana sentiu-se compelida a se aprofundar no passado da dupla - e de sua pátria.
ECLIPSE, de Djin Sganzerla (Brasil): A premiada atriz de "Falsa Loura" (2008) narra a saga de Cleo, astrônoma de 43 anos grávida (vivida pela própria Djin) que é surpreendida pela visita de sua meia-irmã Nalu, de origem indígena (papel de Lian Gaia). Ela revela um segredo perturbador, despertando memórias fragmentadas.
GARÇA-AZUL ("Blue Heron"), de Sophy Romvary (Canadá/ Hungria): Um painel de angústias geracionais, este drama sobre amadurecimento e aceitação familiar rasga corações ao falar de desamparo. Tudo se passa no fim da década de 1990, quando Sasha, de oito anos, e sua família de imigrantes húngaros, mudam-se para uma nova casa, em Vancouver. Seu recomeço é interrompido pelo comportamento cada vez mais perigoso de Jeremy, o filho mais velho, que esbanja desconforto diante do Novo Mundo.
DEMOCRACIA SOB CERCO ("Democracy Under Siege"), de Laura Nix (Bélgica/ EUA): Pontuado pelos comentários políticos afiados e bem-humorados da cartunista Ann Telnaes, a partir de sua visão privilegiada de Washington, D.C., este documentário expõe a complexa história e os desafios do sistema político mais influente do mundo, em um dos momentos mais extremos e decisivos da democracia americana em seus quase 250 anos de existência.
MAYA, ME DÊ UM TÍTULO ("Maya, Donne-Moi Un Titre"), de Michel Gondry (França): O mestre do videoclipe resolve apostar na animação, fazendo um experimento nas raias da colagem, estruturado como uma carta de amor à sua filha. Faz dela personagem, numa reflexão sobre como as crianças reinventam a realidade a partir de referências banais do cotidiano.
CARACOL BRANCO ("White Snail"), de Elsa Kremser e Levin Peter (Áustria): Vencedor do prêmio de melhor atuação (dado à dupla Marya Imbro e Mikhail Senko) no Festival de Locarno, onde ganhou ainda o Prêmio Especial do Júri. Em seu enredo, uma modelo bielorrussa, que sonha com uma carreira na China, se envolve com um homem solitário e misterioso, que trabalha no turno da noite em um necrotério. Esse encontro transforma sua percepção sobre corpo, beleza e mortalidade.
ROSEMEAD, de Eric Lin (EUA): Lucy Liu dá um passo além nesta carreira numa produção com cheiro de Oscar, laureada com o Prêmio do Público em Locarno. Situado no coração do San Gabriel Valley, com base numa história real, o filme é a saga de uma imigrante chinesa com doença terminal que descobre a perturbadora fixação de seu filho adolescente por tiroteios em massa. À medida que sua saúde se deteriora, ela toma medidas cada vez mais desesperadas - e moralmente complexas - para protegê-lo e enfrentar as trevas que o atraem.
ABAIXO DAS NUVENS ("Sotto Le Nuvole"), de Gianfranco Rosi (Itália): Nápoles luta contra duas ameaças vulcânicas: o Vesúvio e o Campi Flegrei. Em meio a tremores cada vez mais intensos, arqueólogos trabalham enquanto os moradores vivem ansiosos, assombrados pelo destino que outra cidade, Pompeia, teve no passado, ao ser arrasada pela lava. O desafio do povo napolitano é contar com a eficácia dos serviços de emergência, que se esforçam como podem, mas nem sempre vencem as demandas.
AURORA 15, de José Eduardo Belmonte (Brasil): Exercício do diretor de "Gorila" (2012) e "Quase Deserto" (2025) pelas veredas da fantasia, com Carolina Dieckmmann e Marjorie Estiano. Um jovem casal se muda para a casa dos sonhos. Quando estão prestes a assinar o contrato com a corretora, um senhor e sua filha adolescente invadem o espaço, alegando estarem sendo perseguidos por dois homens armados com a intenção de matar a menina. A noite logo chega e a menina já não possui mais a forma humana.
DUAS VEZES JOÃO LIBERADA, de Paula Tomás Marques (Portugal): A partir das vivências de um corpo avesso ao binarismo histórico, inconformado com o dito "determinismo biológico", este experimento poético festeja o desejo de pessoas que almejam ser as profetas de suas próprias histórias, embora a Inquisição cruze seu caminho.
CADERNOS NEGROS, de Joel Zito Araújo (Brasil): Um dos pilares da luta antirracista no audiovisual das Américas, o realizador volta a se embrenhar pela não ficção, evocando a prosa de Carolina Maria de Jesus (1914-1977), para contar a história da séria literária criada em 1978 em São Paulo. É um olhar para a peleja da população negra para afirmar sua voz na arte da escrita.
O DIA DE PETER HUJAR ("Peter Hujar's Day"), de Ira Sachs (EUA): Este drama afetivo sobre cumplicidade lotou sessões na Berlinale e brilhou em Sundance, ampliando o prestígio de um profissional brasileiro, seu montador, o paulista Affonso Gonçalves, que editou "Ainda Estou Aqui". Essa reconstituição da cena cultural nova-iorquina da década de 1970, centra-se no convívio entre a escritora Linda Rosenkrantz e o fotógrafo Peter Hujar (1934-1987), vividos por Rebecca Hall e Ben Whishaw.
DUAS ESTAÇÕES, DOIS ESTRANHOS ("Two Seasons, Two Strangers"), de Sho Miyake (Japão): Ganhador do Leopardo de Ouro de Locarno, em 2025, esta produção trava um diálogo com as HQs de Yoshiharu Tsuge, um mestre dos mangás. No enredo do longa, o casal Nagisa e Natsuo se encontra à beira-mar. Engatam um esboço de romance trocam palavras constrangedoras e entram no oceano encharcado pela chuva. Essa porção do longa se passa num verão. Já no inverno, Li, uma roteirista, viaja para uma vila coberta de neve. Lá, ela encontra uma pousada administrada pelo taciturno atendente chamado Benzo. Suas conversas raramente se conectam, mas eles partem em uma aventura sentimental inesperada.