Só Ozon para salvar a pátria

Num 2025 de bilheterias magras para a França, o novo longa do bem-sucedido diretor parisiense, que também faz parte da repescagem do Festival do Rio, pode elevar as receitas de sua nação

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Indicado ao Leão de Ouro de Veneza, 'O Estrangeiro' pode levar François Ozon ao César, o Oscar francês

Num 2025 de bilheterias magras para a França, o novo longa do bem-sucedido diretor parisiense, que também faz parte da repescagem do Festival do Rio, pode elevar as receitas de sua nação

Saber que o novo François Ozon, "O Estrangeiro" ("L'Étranger") tornou-se um dos hits do 27° Festival do Rio, o que lhe assegura uma sessão extra, na repescagem do evento, nesta terça-feira (no Estação NET Gávea 5, às 21h30), é tudo menos surpresa diante da popularidade dele em telas brasileiras. Há 25 anos, desde a exibição de "Sob a Areia" (2000) no circuito Estação, o Brasil tem o cineasta parisiense como um xodó, algo que mais uma vez se confirma com o êxito local de o seu novo exercício autoral - talvez o mais arriscado da sua obra - que estreia em sua pátria natal no dia 29 de outubro, de olho em indicações ao César, o Oscar francês.

A elogiosa carreira do longa-metragem em Veneza, onde concorreu ao Leão de Ouro, firmou seu prestígio, o que pode ser estratégico para elevar as receitas das cadeias exibidoras da terra de Emmanuel Macron num ano receitas magras para as produções francófonas. O blockbuster n° 1 da França, de janeiro até agora, "Les Tuche: God Save the Tuche" (estrelado pelo Didi Mocó do Velho Mundo, Jean-Paul Rouve), vendeu 2.992.984 tíquetes, o que é pouco para o padrão de lá. "Existem muitos cinemas dentro do cinema francês, mas o que talvez me diferencie é o interesse pelas pequenas situações do quotidiano: elas engrandecem qualquer pessoa", afirmou o cineasta de 57 anos ao Correio da Manhã, no Festival de San Sebastián, há um ano, quando iniciava a produção de "O Estrangeiro", consagrando-se em solo espanhol ao ganhar o prêmio de Melhor Roteiro por "Quando Chega o Outono", já lançado por aqui.

Esse misto de filme de mistério e drama crepuscular sobre maternidade foi prestigiado por 674 mil pagantes em terras francesas. Antes dele, "O Crime É Meu", de 2023, vendeu um milhão e noventa e um mil ingressos. Embora alterne narrativas mais espinhosas (como "Está Tudo Bem", sobre finitude e eutanásia) com exercícios de gênero sem medo de ser comercial (como a comédia "Potiche", que vendeu 2,3 milhões de entradas), Ozon é sempre a maior diversão, não só para seu público, como para distribuidores e exibidores. "8 Mulheres" foi blockbuster, em 2002, com 3,5 milhões de entradas vendidas, e "Dentro da Casa" (2012) passou a marca do milhão também, além de conquistar a Concha de Ouro. Ele não só faz sucesso nas bilheterias, como ganha prêmios.

A atração da vez de sua lavra nasce do romance homónimo de Albert Camus (1913-1960) e carrega a forte carga filosófica do escritor. "O Estrangeiro" (1942) foi adaptado para o teatro no Brasil no início dos anos 2000 e reconfigurou a carreira do ator Guilherme Leme Garcia. Já em 1967, tinha sido levado ao cinema por um mestre, Luchino Visconti (1906-1976), com Marcello Mastroianni (1924-1996) como protagonista. Em 2024, em entrevista ao Correio de Manhã em solo basco, Ozon antecipava já detalhes do projeto: "Costumo sonhar com aquilo que estou a filmar e, nos sonhos, quase sempre, surgem-me soluções para o que planeio fazer", disse o cineasta.

Fiel a Camus, o seu "L'Étranger" decorre em Argel, em 1938, onde Meursault, um funcionário discreto e modesto na casa dos trinta, comparece ao funeral da mãe sem derramar uma lágrima. No dia seguinte, envolve-se num romance casual com uma colega, Marie, e retoma rapidamente a sua rotina, sem enfrentar o luto. Contudo, a sua vida quotidiana é logo perturbada pelo vizinho, Raymond Sintès, que o arrasta para os seus negócios obscuros — até que, num dia de calor extremo, ocorre um acontecimento trágico numa praia. Quem conhece Camus (ou as versões anteriores do seu best-seller) sabe tratar-se da morte de um árabe. O tema, associado a um país como a França, reabre a ferida da xenofobia, regando-a com os acordes da canção "Killing An Arab", do The Cure.

Ao seguir este caminho, apoiado no carisma do ator Benjamin Voisin (com quem já trabalhara em "Verão de 85"), no papel de Meursault, Ozon envereda por um terreno político distinto daquele que habitualmente explora através da sua estética queer (a luta contra a intolerância e a homofobia). Já o fizera em 2019, com "Graças a Deus", denunciando abusos sexuais cometidos por padres católicos — obra que lhe valeu muitos inimigos na Igreja, mas que catapultou a sua carreira para um patamar diferente de prestígio, coroado com o Grande Prêmio do Júri da Berlinale.

"Não estou preocupado em ganhar o Óscar, nem espero reconhecimento de prémios. A minha preocupação mais genuína é proporcionar ao público uma experiência inesperada em cada filme. Gosto do set, adoro trabalhar, e por isso estou sempre ocupado a criar", afirmou Ozon ao Correio em San Sebastián, quando "O Estrangeiro" ainda estava em fase de gestação.

Na torcida pela consagração de "O Estrangeiro" no apreço do público, a França busca exportar outros dois filmes de sua indústria que passaram da marca do milhão do primeiro semestre para cá: "Ma Mère, Dieu Et Sylvie Vartan" (com 1.506.916 bilhetes vendidos em cartaz) e "Un Ours Dans Le Jura" (prestigiado por 1.473.871 pagantes).