Rafael Raposo: 'A vocação do Gláucio Gill é ser um espaço de reencontro com a arte'

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Rafael Raposo, cineasta, ator e gestor cultural

Lá se vão 19 anos desde que Rafael Cardoso mexeu com o coração do Festival do Rio com sua tocante atuação em "Noel: Poeta da Vila" (2006), pavimentando uma trajetória profissional sempre vitaminada pela delicadeza, que se expandiu para o ofício de gestor cultural. Há três anos, ele cuida para que o Teatro Gláucio Gill - charmosa sala de espetáculo de Copacabana, na saída do metrô Cardeal Arcoverde - se mantenha como um bunker de resistência artística para a dramaturgia nacional. Semana a semana, interpretes do mais alto quilate encenam Brasis que não aceitam cabresto em seu (hoje sexagenário) palco. É um terreiro de invenção.

O cuidado com a programação e com a manutenção daquele espaço - que redefiniu sua relevância entre os aparelhos culturais cariocas - inspirou um filme, dos bons, que terá sessão nesta sexta-feira, às 16h no Cine Santa Teresa: "Gláucio Gill - Um Teatro em Construção". A direção é de Lea Van Steen e de Rafael, que se arrisca como cineasta fazendo da memória sua argamassa estética. O documentário discute o fato de que, durante a reforma do GG, entregue no início de 2025 pelo Governo do Estado, uma ausência inquietante veio à tona. Não havia um acervo histórico organizado que reunisse cartazes, fotografias, programas e depoimentos das inúmeras montagens que passaram por ali. Dessa constatação nasceu uma verdadeira caçada a recordações. Essa gincana inspirou um exercício cinematográfico de afeto. Rafael, agora também no posto de realizador, fala a seguir desse processo.

Qual é a vocação histórica do Gláucio Gill como terreno de acolhimento de linguagens teatrais?

Rafael Raposo - O Teatro Gláucio Gill sempre foi um dos principais terrenos da investigação artística no Rio de Janeiro. Quando assumi o teatro, passei a olhar para dentro e trazer a classe artística de volta a este palco, resgatando o que acredito ser a verdadeira vocação do Gláucio: ser um espaço de experimentação e de reencontro com a arte.

De que forma a memória desse espaço inspirou o ensejo de que o Gláucio virasse filme?

O desejo de transformar o Gláucio Gill em filme nasceu de uma provocação. A comunicação da FUNARJ me pediu o acervo do teatro para estampar o tapume que cercaria o prédio durante as obras. Quando fui buscar esse acervo, descobri que ele simplesmente não existia. A partir daí, criei uma campanha para atrair os artistas que passaram pelo Gláucio, com o objetivo de reconstruir essa memória perdida. Um dia, um ator que havia se apresentado aqui veio pessoalmente trazer fotos e matérias de jornal da época. Pedi à equipe que registrasse esse momento, e a história era tão emocionante que tive um insight: convocar outros artistas para virem dividir suas experiências com esse palco sagrado. Assim nasceu o documentário — uma história linda de muitos, que se confunde com a de quase todos que passaram por aqui.

O Festival do Rio que te viu como ator, há 18 anos, em "Noel: Poeta da Vila", agora te vê como cineasta. Onde esses extremos se encontram?

Ter estado no Festival do Rio como ator e agora retornar como cineasta é, para mim, uma forma diferente de contar histórias. O que sempre me move é ter uma boa narrativa, seja na frente da câmera ou conduzindo o material, em ficção ou documentário. É claro que fico muito feliz por estar novamente nessa vitrine tão importante. Mas o mais gratificante é perceber esse diálogo entre teatro e audiovisual: se o cinema visita constantemente o teatro, desta vez sou eu quem está levando o teatro para o audiovisual.

Que ações ou estreias que vão mobilizar o Gláucio Gill nos próximos dois meses?

Em novembro, o Teatro Gláucio Gill completa 60 anos. Vamos celebrar com um grande festival: 30 espetáculos em 30 dias, reunindo companhias de destaque e peças que marcaram a cena fluminense. Estarão conosco a Companhia dos Atores, o Teatro do Anônimo, o Armazém Cia. de Teatro, o Teatro Íntimo, o Negra Palavra, entre outros. Será a celebração do lema que adotamos desde a reinauguração: #TodosOsGláucioGill — uma verdadeira festa da classe artística neste palco que é de todos nós. Além disso, temos o Cabaré, um projeto de fomento que tem atraído artistas importantes. No dia 10 de outubro, apresentamos o "Cabaré em Transe - Homenagem ao Cinema Nacional", idealizado por mim e dirigido por César Augusto.