A volta por cima de Angelina Jolie
Passagem avassaladora da estrela hollywoodiana pela caça à Concha de Ouro de San Sebastián, atuando em francês em 'Couture', pode ser coroada com um troféu de interpretação e elevar ainda mais seu status
Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Lá se vão 25 anos desde que Angelina Jolie ganhou seu primeiro e (até agora) único Oscar, de Melhor Coadjuvante em "Garota, Interrompida", tendo concorrido uma vez mais com "A Troca", de Clint Eastwood, em 2009. Seu currículo vai de caça-níqueis ("Tomb Raider") a iguarias de tom político ("O Preço da Coragem", de 2007), com trabalhos limitados à voz em animações de êxito comercial ("Kung Fu Panda") e com exercícios de respeito na direção. Exibido no Festival do Rio de 2012 e indicado ao Globo de Ouro, "Na Terra de Amor e Ódio" fez dela uma cineasta, com tônus em investigações antibélicas.
O problema: para uma estrela capaz de arrebatar a cinefilia, faz tempo demais que ela não emplaca um blockbuster. A incursão que fez na Marvel, em "Eternos" (2021), a fim de trabalhar com a prestigiosa diretora Chloé Zhao, deu água e faturou menos (muito menos) do que a Disney almejava. Nas franjas das narrativas de risco, ela até brilhou em "Maria Callas" (indicado ao Leão de Ouro de 2024), na pele de diva máxima da ópera, mas não obteve troféus de respeito pelo esforço que fez. Em meio aos contratempos pessoais da dissolução de seu casamento com Brad Pitt, num conflito midiático penoso, com saldos disruptivos para os filhos do ex-casal, a californiana de 50 anos não emplaca um fenômeno do porte de "Malévola" (que arrecadou US$ 760 milhões), há uma década. Para piorar, seu pai, o ator Jon Voight, é classificado como um apoiador minion de Donald Trump.
San Sebastián, entretanto, ignora esses quiproquós e prontificou-se a provar que ela ainda está no Panteão. Estima-se que a cidade espanhola possa dar a ela sua láurea de Melhor Atuação por "Couture", vindo da França.
Numa parceria com a grife autoral da cineasta Alice Winocour (de "Cinco Graças"), Angelina tem a maior atuação de sua carreira em duas décadas. No domingo, sua passagem pela Espanha parou o País Basco. Raras vezes San Sebastián viveu coqueluche igual.
"A guerra e esperança se combinam na condição humana e um filme como 'Couture' fala das aproximações que atenuam os extremos", disse Jolie ao Correio da Manhã, antes de fazer uma crítica à falta de liberdade de expressão nos EUA a uma repórter espanhola. "Eu amo meu país, mas eu não o reconheço".
Construída como um painel de personagens que se tangenciam, mas seguem eixos próprios, a narrativa de "Couture" decorre durante a Semana da Moda de Paris. Na Cidade Luz, os caminhos de três mulheres se cruzam. Maxine (Angelina Jolie), uma cineasta americana, descobre ter cancro da mama e envolve-se num inesperado relacionamento com o seu fotógrafo (Louis Garrel). Ana (Anyier Anei), estudante de Farmácia vinda de Nairóbi, desponta como a nova estrela das passarelas, apesar dos dilemas em seu lar. Angèle (Ella Rumpf, em inquietante interpretação), é uma maquilhadora francesa, que trabalha nos bastidores dos desfiles enquanto tenta publicar um livro. Quando as suas trajetórias se encontram, a trama filmada por Alice revela a resiliência discreta que se esconde por trás dos holofotes e presta homenagem aos laços tácitos de solidariedade que estas pessoas - diferentes em profissão, cultura e origem - partilham.
"É um filme sobre mulheres", disse Alice Winocour, que dispara nas apostas para o troféu de Melhor Realização de Donostia.
Nenhum filme do evento foi mais pop do que que o dela. Angelina se recicla... e viceja na tela.
