Avelina Prat:‘Entre Espanha e Portugal, estando tão perto, nos sentimos noutro lugar’

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Avelina Prat, cineasta espanhola

Apesar de ter emplacado títulos na competição oficial pela Concha de Ouro, como o thriller de ação “Los Tigres”, de Alberto Fernández, sobre mergulhadores às voltas com o tráfico, o cinema ibérico conquistou uma mostra paralela no Festival de San Sebastián para ostentar a vitalidade que hoje torna seus filmes um objeto de fetiche em streamings e competições de narrativas audiovisuais. Essa seção se chama Made In Spain e lotou sala no fim de semana com “Uma Quinta Portuguesa, que brilhou antes em abril, nas telas do Bafici, na Argentina.

Arquiteta de formação, a diretora valenciana Avelina Prat ultrapassou o Tratado de Tordesilhas que divide as posses espanholas das posses de Portugal no território cinéfilo da representação da cultura lisa e espanhola com essa produção. “Uma Quinta Portuguesa” é uma arrebatadora aula (decolonial) sobre identidades (as novas e as perpétuas), com um pé em Barcelona e outro na “terrinha”, entre nossos patrícios. Atuações comoventes do ator andaluz Manolo Solo e de Maria de Medeiros (a cantora, diretora e atriz lusitana que atuou em “Pulp Fiction”) asseguram lirismo à narrativa. Os delicados enquadramentos da cineasta impressionam plateias.

A fotografia dionisíaca de Santiago Racaj aquece o clima deste enredo sobre recomeços. Nele, Fernando, um pacato professor de Geografia (papel de Manolo), encontra-se num abismo sentimental após o desaparecimento de sua mulher, uma estrangeira, de origem sérvia. Sem rumo na vida, ele assume uma nova identidade. Com um novo nome (Manuel), vai trabalhar como jardineiro em uma vila, onde trava uma amizade inesperada com a proprietário, Amália (vivida por Maria), e mergulha em um mundo que não lhe pertence.

Realizadora de “Vasil” (2022), Avelina conversou com o Correio da Manhã em San Sebastián e traçou um desenho da produção cinematográfica de sua pátria.

Como avalia a diversidade da seção Made In Spain, de San Sebastián, e como ela reflete o cinema atual do seu país?

Avelina Prat - É precisamente a diversidade o aspecto que eu mais valorizo na seção Made in Spain. Há filmes com temas e gêneros muito diferentes. Coexistem filmes de diretores consagrados com títulos de estreia de cineastas mais jovens. Alguns desses longas têm grande projeção internacional. Essa variedade na filmografia oferece uma ampla visão da produção nacional do ano, mostrando a riqueza do cinema espanhol atual.

O que você encontrou de mais valioso no encontro com Portugal em termos de compreensão da cultura — e do cinema — da Península Ibérica na feitura do longa que exibe em Donostia?

Muitas vezes, viramos as costas a Portugal. Devido à proximidade que temos, deveria haver muito mais trabalho conjunto, muito mais coproduções do que as que existem. A aproximação com Portugal foi muito enriquecedora para mim. Partilhamos muitas ideias a nível cultural e, ao mesmo tempo, existem diferenças próprias da idiossincrasia de cada país. É curioso como, estando tão perto, nos sentimos noutro lugar. Admiro muito a cultura portuguesa.

Qual é a noção de pertencimento — afetivo e geográfico — de que fala o seu filme?

“Uma Quinta Portuguesa” fala do desenraizamento, mas não necessariamente como algo negativo. Fala da possibilidade de encontrar o seu lugar, o seu lar, num local diferente daquele onde estão as suas raízes. O filme fala de como esse lar pode surgir em qualquer lugar, mesmo noutro país. No final, o pertencimento afetivo é mais importante do que o geográfico, e pode ser construído.

Que filmes espanhóis moldaram a sua visão de cinema e que Espanha se encontra retratada hoje no cinema do seu país?

A visão que tenho é formada pelo cinema de todo o mundo, não apenas pelo do meu país, mas ajudou-me muito descobrir autores com uma visão própria, diferente de padrões, que servem de inspiração, que geram referências. As propostas autorais alternativas estão ganhando muita força. Acho que agora se retrata um país mais aberto, com bastante complexidade social e muito mais plural, que reflete as diferentes identidades e culturas próprias de cada região.