Sangue (quente) latino em San Sebastián

Maratona cinéfila espanhola é bombardeada por expressões autorais de países sul-americanos, com destaque para o chileno 'Limpia'

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Limpia

Espécie de "Que Horas Ela Volta?" do Chile, um tanto mais fofo (e numa certa medida mais feroz) do que o sucesso brasileiro de 2015, "Limpia", de Dominga Sotomayor, foi o primeiro pancadão dos Horizontes Latinos, o canteiro do San Sebastián International Film Festival (SSIFF) com os pés fincados na América de colonização íberica. Sua delicada forma de explorar o tenso cotidiano de uma trabalhadora doméstica (papel de María Paz Grandjean) e uma garota de seis anos (Rosa Puga Vittini) abriu os diques do evento para as veias abertas (e feridas) deste nosso continente jorrarem pela Espanha.

É nesse lugar que San Sebastián verá Céspedes botou um carimbo de excelência em "Um Poeta", de Simón Mesa Soto, da Colômbia, que, há duas semanas, arrebatou a láurea de Melhor Filme no Sanfic, em Santiago. Levou ainda o Prêmio do Júri da mostra Un Certain Regard de Cannes. É uma aula sobre literatura com uma interpretação impecável de Ubeimar Rios. Ele interpreta Oscar um autor de poesias frustrado, que nunca estabeleceu sua glória. A descoberta de uma jovem de periferia com talento para o verso renova seus votos com o lirismo.

Divulgação - Ubeimar Rios brilha no colombiano 'Un Poeta'

Teve participação de peso do Brasil nos Horizontes Latinos do SSIFF, sábado agora, com "Dolores", de Maria Clara Escobar e Marcelo Gomes. Seu idealizador foi Chico Teixeira (1958-2019), que dirigiu "Ausência" (Melhor Filme em Gramado, em 2015). Na trama, inspirada em argumento do diretor, Dolores, interpretada por Carla Ribas, acaba de completar 65 anos e teve um sonho premonitório: abrir um cassino. O problema é que ela já foi viciada em jogos e tem uma relação tensa com sua única filha, Deborah (Naruna Costa), mas é próxima da neta, Duda (Ariane Aparecida), que trabalha numa loja de armas e sonha em se mudar para os EUA.

Divulgação - 'Dolores': destaque na mostra Horizontes Latinos

Noutra latitude, na mostra Zabaltegi-Tabakalera, de tônus mais experimental, a esquadra sul-americana do SSIFF faz o Paraguai avançar pela Espanha com "Sob As Bandeiras, o Sol" (no original "Bajo Las Banderas, El Sol"), que foi premiado na Berlinale, na Alemanha, e no Bafici, na Argentina. Exibido no Rio e em São Paulo no É Tudo Verdade, em abril, o documentário de Juanjo Pereira é a produção com CEP paraguaio de maior êxito em maratonas competitivas do exterior depois da consagração de "As Herdeiras" (2018).

 

Divulgação - 'Bajo Las Banderas, El Sol', o documentário de Juanjo Pereira é a produção com CEP paraguaio de maior êxito em maratonas competitivas do exterior

Nele há um mosaico de exuberante montagem. Sua estrutura formal é uma reação a recordações latinas de 1989, ano da queda da ditadura de 35 anos de Alfredo Stroessner. Sua saída do Poder marcou o fim de um dos regimes autoritários mais duradouros do mundo. Isso também levou ao abandono dos arquivos audiovisuais que haviam consolidado seu comando. Esse material, criado para moldar uma identidade nacional e celebrar um regime de direita, foi deixado para desaparecer da memória. Juanjo esforçou-se para evitar esse destino.

San Sebastián termina no dia 27, com a entrega de troféus. Até o momento, na competição pela Concha de Ouro, o primeiro filme a se habilitar dicunforça para a Concha de Ouro veio da Bélgica e se chama "Six Jours Ce Printemps-là", de Joachim Lafosse. A trama expõe o racismo europeu ao seguir os passos de uma jovem mãe de gêmeos que leva seus meninos até a Riviera, para desfrutarem da casa de seus ex-sogros.