CRÍTICA / FILME / O FILHO DE CHUCK: Arrasta-pé metafísico

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Mark Hamill, o eterno Luke Skywalker, encarna um avô às voltas com o luto em 'A Vida de Chuck'

É difícil pensar num musical - sobretudo de Hollywood - feito depois do sagrado "Moulin Rouge" (2001) que tenha uma sequência de dança tão contagiante quanto a de "A Vida de Chuck", um experimento narrativo entre o drama, o filme-catástrofe e ficção científica cujas raízes se fincam na prosa de Stephen King.

O contador Chuck (Tom Hiddleston, o deus Loki da Marvel) se solta sem amarras, na rua, à luz do dia, num arrasta-pé com uma jovem que nunca viu antes, Janice (Annalise Basso), ao ser tomado pela batida da percussão de uma musicista (Taylor Gordon) que se apresenta pelas esquinas de uma cidadezinha. Ninguém ali conhece ninguém, mas a percussão inebria um sujeito que encontrou nos números seu ganha-pão e fez do verbo "dançar" um abrigo para a orfandade e para a timidez.

Seu requebrado performático é um gesto súbito, sem razão aparente, assim como muitas outras ações no longa-metragem de Mike Flanagan (de "Ouija: Origem do Mal"), que se descortinam ao bel-prazer do Acaso.

Essa divindade marota parece ter escolhido o personagem de Hiddleston, em fases diferentes de sua vida - contadas numa narração em off de Mick Offerman -, como o epicentro de um turbilhão de situações trágicas, inclusive para a Humanidade. Tudo começa com o protagonista no leito de morte, por um tumor cerebral, e algo em sua existência, sem explicação, detona estranhos incidentes que deflagram o fim do mundo - Stephen King, né! -, motivando pessoas a se reaproximarem.

Assim começa uma produção estruturada em três atos, que vai do Hoje para o Ontem, retrocedendo elegantemente no tempo, de ato em ato, até vermos o pequeno Chuck crescer com os avós, interpretados encantadoramente por Mia Sara (de "Curtindo a Vida Adoidado") e Mark Hamill, o eterno Luke Skywalker, que hoje tem 73 anos. Esse estudo metafísico de Flanagan sobre rearranjos afetivos é baseado na coletânea "If It Bleeds", publicado por King em 2020. A conquista do prêmio principal do TIFF-Festival de Toronto, em 2024, jogou holofotes nessa joia, de montagem impecável. (R. F.)