Gianfranco Rosi, um pop star do real

Famoso por ter no currículo um Urso de Ouro e um Leão dourado, o documentarista italiano põe Veneza em erupção com 'Sotto Le Nuvole', sobre vulcões

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O doc. italiano 'Sotto Le Nuvole', de Gianfranco Rosi, entra em erupção em Veneza

Existe um troféu destinado exclusivamente aos documentários em Cannes, o troféu L'Oeil d'Or, que nasceu dez anos atrás para contemplar as narrativas de não ficção, e já coroou o Brasil, ao ser entregue a Eryk Rocha e seu "Cinema Novo", em 2016. A Berlinale tem um também, ainda que, vez por outra, narrativas documentais conquistem o Urso de Ouro, como se viu em 2023, com a vitória de Nicolas Philibert e seu "No Adamant", e em 2024, com o êxito de Mati Diop e seu ensaio metafísico "Dahomey". Já o Festival de Veneza - que está com sua 82ª edição em curso, até o fim de semana, na Itália - costuma dar espaço nobre a documentaristas em suas variadas sessões e acolheu este ano - uma vez mais - um cineasta conhecido entre seus pares como um "popstar do real": Gianfranco Rosi. É a quinta vez que o realizador nascido há 61 anos na Eritreia, lança um longa-metragem em alguma das seções competitivas do evento veneziano - e, na quatro anteriores, saiu laureado. Em 2013, levou o Leão de Ouro para casa, por "Sacro GRA", acerca do cotidiano de Roma. Agora, pode ganhar mais um, com "Sotto Le Nuvole". Seu olhar, neste novo trabalho, parece se concentrar em vulcões, mas fita algo mais.

"Costumo refutar a ideia de 'cinema de observação', aportado a filmes em que se capta o real sem intervenção, porque eu tenho um engajamento total com os objetos que escolho retratar, a começar pelo fato de que faço várias funções técnicas consecutivas à direção, como operar o som e enquadrar a fotografia", disse Gianfranco ao Correio da Manhã, quando iniciava "Sotto Le Nuvole" e lançava "Notturno" (2020) na plataforma MUBI, onde pode o longa ser visto hoje.

Ao finalizar o supracitado .doc (ligado ao Oriente Médio) que estreou aqui no www.mubi.com, Rosi filmou "In Viaggio". Seu roteiro se debruça sobre o sentido simbólico das jornadas do Papa Francisco (1936-2025), que viajou por 37 países, do Oriente Médio, pela América, África e Sudeste Asiático, discutindo temas centrais da atualidade - pobreza, natureza, migração, guerra e intolerância - em suas homilias. Rossi parte dos sermões do Sumo Pontífice para analisar como suas palavras refletem a realidade. Ali começou o périplo de "Sotto Le Nuvole".

"Assumi a responsabilidade de fazer um tipo de cinema que defende causas: no caso, dar visibilidade a pessoas de quem mídia desdenha ou que enquadra sobre arquétipos", disse Rosi, ao Correio quando ganhou o Urso de Ouro por "Fogo no Mar", um estudo sobre imigrantes que lhe rendeu uma indicação ao Oscar.

Jens Koch/Berlinale.De - Gianfranco Rosi, cineasta italiano

A produção que ele levou a Veneza, cujo título significa "Debaixo das Nuvens", Nápoles luta contra duas ameaças vulcânicas: o Vesúvio e o Campi Flegrei. Em meio a tremores cada vez mais intensos, arqueólogos trabalham enquanto os moradores vivem ansiosos, assombrados pelo destino que outra cidade, Pompéia, teve no passado, ao ser arrasada pela lava. O desafio do povo napolitano é contar com a eficácia dos serviços de emergência, que se esforçam como podem, mas nem sempre vencem as demandas. A escolha de um cinema antigo como signo de um patrimônio cultural em erosão é uma das imagens mais tocantes de "Sotto Le Nuvole".

"A instância poética da narrativa documental é a liberdade de se ver diante de um mundo palpável, belo, mas com cicatrizes", disse Rosi em uma entrevista em um festival no Qatar. "Eu venho da tradição de Roberto Rossellini (pioneiro do neorrealismo). Tenho identidade italiana. A Itália tem uma tradição muito forte de documentaristas e também de diretores que misturaram a realidade com a ficção criando, entre outras coisas, a estética neorrealista. Foi um movimento revolucionou o cinema nos anos 1940 buscando a veracidade como cerne estético. Não é desta linhagem que eu venho, embora eu a respeite muito. Estudei nos EUA e me formei no mundo. Referências deste ou daquele cineasta são úteis só até o momento em que você liga a câmera pela primeira vez: dali pra diante só tem você. Esse "eu lírico", que eu sou com a câmera, é alguém que tenta entender o que existe de verdadeiro e de falso por trás de cada gesto e de cada palavra que registro. O que me deixa compreender isso: o ambiente à minha volta. Meus 'protagonistas' são os lugares em que filmo".

De tudo de bom que passou por Veneza de quarta-feira passada até agora, nada encantou mais a crítica do que o empenho do campeão de bilheteria Dwayne Johnson (outrora The Rock) para alcançar outro patamar profissional com "Coração de Lutador - The Smashing Machine", sobre o ás dos ringues Mark Kerr. Esse "Rocky Balboa" da luta livre é dirigido por Benny Safdie, cineasta e ator que enfrenta Adam Sandler no recente "Um Maluco no Golfe 2", da Netflix. No sábado, o festival anuncia sua premiação, com a atriz Fernanda Torres no júri.