Ficou pouca coisa da língua portuguesa - fora os versos "Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá" - nas saudades que o arlequim francês Denis Lavant guardou de sua aventura brasileira, nos sets de "Makunaima XXI", de Zahy Guajajara e Felipe Bragança. Ele declamou o poema num bate-pronto, ao cruzar com o Correio da Manhã ao fim da projeção de "Redoubt", uma produção escandinava, na mostra New Directors de San Sebastián. Seu rosto mobilizou o festival espanhol ainda em "L'Étranger", de François Ozon. As marcas de suas 64 primaveras se espalham em suas feições sorridentes, de um bom humor contagiante, mas não apagam as alusões aos personagens mucho locos que construiu em parcerias com o diretor Leos Carax ao longo dos anos 1980 e 90, incluindo ainda o cult "Holy Motors", de 2012. Não por acaso, em sua excursão pelo Rio, em junho, a Cinemateca do MAM exibiu "Sangue Ruim" (1986), marco do legado inventivo que o ator francês construiu sob a recorrente troca com Carax.
"Eu sou o cinema mudo", define-se Lavant, ao definir um estilo construído a partir da formação de mímico e dançarino. "Carax entendeu isso, pois é um cineasta que trabalha a imagem sem a dependência da palavra, ciente da densidade que mora no silêncio. Ao mesmo tempo, encarar o texto... em português... que Felipe e a Zahy me deram em 'Makunaíma XXI' foi um momento de delícia. Eu tive um pouco de medo, pois estava filmando num país que não conhecia, sem ter noção da linha de atuação do elenco brasileiro. Apesar disso, cruzar o Atlântico para viver um personagem com bigodes que lembram o do Astérix me deu uma honra imensa, pois me permitiu ter a compreensão de uma outra realidade. Estou ansioso para vê-lo pronto".
Há quem diga que os festivais do primeiro semestre de 2026 vão atestar a pujança de Mario de Andrade (1893-1945) numa releitura que promete ser radical, com um colorido multicultural e com ecos de ancestralidades dos povos originários. Enquanto "Makunaima XXI" não sai, Lavant ajuda "Redoubt" a ganhar aplausos (e, possivelmente, prêmios para sua atuação), sob a batuta do jovem cineasta de origem sueca John Skoog. O filme deles se passa no auge da Guerra Fria, numa estância rural da Escandinávia, onde o agricultor Karl-Göran Persson (Lavant) começa a fortificar sua casa. Ele recolhe sucata e a lança os metais nas paredes a fim de construir uma fortaleza destinada a proteger a si mesmo e aos seus vizinhos. Seus esforços são recebidos com perplexidade por todos, exceto pelas crianças. À medida que a construção avança, também avança o conflito com as pessoas da aldeia.
"Tive que aprender sueco e praticar uma rotina agrícola para construir esse homem, vivendo isolado numa casa. A vivência solitária numa vastidão de campo era fundamental para que eu encontrasse sua essência. Não sou um ator de método, sou um artista que encontra sua voz na pesquisa, na experimentação", diz Lavant. "Eu levo Leos Carax comigo a cada trabalho. Sempre há algo de 'O Amantes de Pont-Neuf' comigo, em cada novo filme".