Que bom "O Agente Secreto" não ter de encarar "Amélie et la Métaphysique des Tubes" em sua trilha - a cada dia mais sólida - rumo ao Oscar, porque, em San Sebastian, nem o thriller pernambucano, nem cults natos como "Foi Apenas Um Acidente" (que deu a Palma de Ouro) a Jafar Panahi têm chances de tirar o Prêmio Cidade de Donostia de Júri Popular do desenho animado franco-belga de Maïlys Vallade e Liane-Cho Han.
No circuito das mostras competitivas da Europa, nenhuma mantém espaço mais regular - e nobre - pra animação autoral do que a maratona basca, que chega ao fim de sua edição n. 73 neste sábado. A adaptação do livro infantojuvenil de Amélie Nothomb sobre miscigenações cultuais - e as magias que cercam os intercâmbios entre povos - é um ímã de aplauso pelo norte da Espanha.
"Nossa ambição sempre foi expressar a euforia da infância, numa história que atravessa diferentes estações do ano e as muitas emoções de uma menina", disse Maïlys ao Correio da Manhã em San Sebastián, celebrando os holofotes dados a uma dramaturgia animada que a Disney não mostra. "O meio de abordar a compreensão das diferenças, em nossa trama, passa por traumas e o debate sobre expatriação na busca por identidade".
Espécie de Cannes para classe animada, Annecy, festival francês realizado em junho, deu a Láurea do Público para "Amélie et la Métaphysique des Tubes".
Sua protagonista não se leva a sério, mas sofre com isso. Até aos dois anos e meio, Amélie descreve-se como um tubo digestivo, inerte e vegetativo. Então, surge o acontecimento seminal que a mergulha na micareta de descobertas que é ser criança. Durante os seis meses seguintes, ela descobre a linguagem e aprende a lidar com seus pais, com seus irmãos e com suas irmãs. Acha um paraíso no seu jardim e, lá, demarca suas paixões: o Japão (onde nasceu e onde vive) e a água. Delimita também quais são as suas aversões, entre elas, um peixe: a carpa. Nessa fase de porquês, toma noção do Tempo... e aprende a temê-lo. Sonha estar constituindo um "para sempre" para si, mas a vida vai pegar no seu pézinho.
"Esse filme custou em torno de 9,3 milhões de euros e começou a ser desenvolvido há sete anos com 150 profissionais em áreas diferentes de sua equipe, trabalhando de locais diferentes da França, onde o sistema de fomento nos assegura liberdade pra inventar", disse Maïlys, que aprendeu a amar animação depois de ver um VHS de "O Homem Que Plantava Árvores" (1987), marco de Frédérick Back. "Aí entrei em Miyazaki e seu 'A Viagem de Chihiro', o que fez a produção japonesa virar um lugar de referência para o meu cinema".
O próximo projeto da cineasta será um filme em stop-motion.