Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Isaach De Bankolé: 'Nada é fácil para quem não é mainstream'

Isaach De Bankolé em San Sebastián | Foto: Jorge Fuembuena/SSIFF

007 já cruzou com Isaach De Bankolé, nos perigos de "Cassino Royale" (2006), o marco zero de Daniel Craig como James Bond, assim como Wakanda, o país de "Pantera Negra" (2018), viu seu talento entre os súditos do rei Tchalla. A HBO MAX estreou uma série nova com ele no elenco, ao lado de Mark Ruffalo: "Task". "O Butalista", que concorreu a dez Oscars, em marco, teve sua presença no elenco, no papel do amigo mais fiel do arquiteto visionário que Adrien Brody interpretou.

É mais comum, contudo, o cinema se lembrar - cultuar - o ator nascido há 68 anos na Costa do Marfim por sua colaboração com Jim Jarmusch e com Claire Denis, entre o fim dos anos 1980 e o início de 2010. "Uma Noite Sobre A Terra" (1991), "Ghost Dog" (1999), "Sobre Café E Cigarros" (2003) e "Os Limites do Controle" (2009) qualificaram-no como parte essencial da trupe oficial de Jarmusch, entre Tom Waitts, Tilda Swinton e Bill Murray.

Com Claire, houve o seminal "Minha Terra, África" (2009) e, agora, "A Cerca" ("Cri des Gardes"), um dos títulos mais aclamados briga pela Concha de Ouro do Festival de San Sebastián, no norte da Espanha

Escalado para o Festival do Rio (2 a 12 de outubro), "A Cerca" só existe porque, no fim dos anos 1980, enquanto filmava "Chocolat", com a propria Claire, na República dos Camarões, Isaach levou um amigo dramaturgo para vistar as locações: era o francês Bernard-Marie Koltès (1948-1989). Sete anos antes dessa visita, ele lançou a peça "Combat de Nègre et de Chiens", escrita em 1979, mas só encenada em 1982. Foi essse texto que serviu de pavimento estético para um projeto que reaproximou a cineasta de 79 anos do ator.

Na transposicão para as telas, o drama político de Koltès ganha vida nos barracões de uma obra numa zona rural da África Ocidental. Num canteiro de operários, Horn, o chefe da obra (vivido por Matt Dillon), e Cal, um jovem engenheiro (Tom Blyth), dividem o alojamento atrás da porta dupla das instalações. Leonie, namorada de Horn (Mia McKenna-Bruce), chega para se juntar a eles na noite em que um homem (interpretado por Isaach) aparece junto à cerca. Seu nome é Alboury. Como um espectro na escuridão, ele exige o corpo de seu irmão, que morreu naquele mesmo dia na obra. Ele vai assombrar os dois homens durante toda a noite até que lhe entreguem o cadáver, enquanto Leonie observa o desastre crescer diante de seus olhos.

Na conversa a seguir, em San Sebastián, que segue até o dia 27, Isaach fala ao Correio sobre identidade, a partir da origem africana, e expõe como o racismo age.

O espaço para artistas negros hoje é maior do que nos anos 1980?

Isaach De Bankolé - Não, pois nada é fácil para quem não é mainstream. Claire Denis tem prestigio, está na ativa há anos, mas sempre precisa se esforçar para levantar filmes novos do zero. Jim passa pela mesma situação.

Em relação à intolerância racial, algo melhorou desde a sua estreia, em 1984?

As coisas parecem mais fáceis, mas apenas porque o racismo encontrou estratégias subrreptícias para agir.

"A Cerca" encena um microcosmo das lutas coloniais de ontem e de hoje num canteiro de construção. Alboury parece um Exu, uma entidade que vai clamar o que é seu, qual um mensageiro da ancestralidade africana. O que há de místico nele?

Eu falo iorubá, que aprendi com os meus pais, e levo essa lingua para o filme, que se comporta como um ensaio atemporal sobre o ranço da colonização. Alboury não vem para matar, vem para reclamar o que é seu. A África não recebe o que é dela de direito. O povo branco precisa reconhecer que a África é o berço de tudo.

Há muitas Áfricas, mas o que o nome do continente de onde vem simboliza no seu imaginário?

A África é o mundo. Não se apaga a memória de um lugar que existe desde sempre. Não se pode isolar a África.

O que existe de mais singular no olhar de Claire Denis?

A habilidade de filmar o silêncio. Pouca gente no cinema fica confortável com a quietude, ainda que, na vida real, ninguém fale o tempo todo. Claire sabe lidar com a expressão silenciosa.

Qual é o melhor causo que você guarda da vivência com Jim Jarmusch?

Quando filmamos "Os Limites do Controle", nós discutimos ao longo de duas horas, por causa de uma fala. Ele veio às lágrimas. Tivemos que fazer uma pausa, pois eu estava irredutível. O produtor me chamou e disse: "Ué, mas vocês não eram amigos?". Eu retruquei: "Somos, muito, só que essa confusão não tem a ver com amizade, e, sim, com colaboração artística". Filmamos tudo e, uns meses depois, já na ilha de montagem, Jim me ligou: "Isaach, você estava certo. Se eu tivesse rodado a fala como eu queria, não conseguiria montar o filme". É sobre isso.