Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O Mal é um bom negócio

'Apanhador de Almas' põe o cinema brasileiro nas franjas do terror | Foto: Divulgação

Por 

Principal estreia brasileira deste fim de semana, "Apanhador De Almas", de Nelson Botter Jr. e Fernando Alonso, espreita as catacumbas de um gênero que, este ano, diante do esgotamento anunciado (e comprovado) dos filmes de super-herói, tem dominado o circuito exibidor, não apenas com lucros astronômicos, mas também com arranjos estéticos de arrebatar a crítica: o cinema de horror.

O susto é com eles

Julia Garner em 'A Hora do Mal', mina de ouro da hora em Hollywood | Foto: Divulgação

O longa-metragem nacional da vez, "Apanhador de Almas" fala de bruxaria. Em meio a um eclipse solar, quatro jovens aspirantes a bruxas visitam uma casa para presenciar, pela primeira vez, um ritual do Além, mas, no local, uma criatura de outra dimensão chega para assombrá-las. Daí pra frente, o susto é lei e, com ele, plateias se agarram a estruturas narrativas que lançam mão de alegorias a fim de abrir debates políticos.

Foi assim, no primeiro semestre, com "Pecadores" ("Sinners"), o thriller de vampiros de Ryan Coogler (de "Pantera Negra") que usava elementos fantásticos a serviço de uma trama sobre o racismo institucional dos Estados Unidos, onde demônio algum assusta mais do que a Ku Kux Klan. Intolerâncias diversas se fazem notar ainda em "A Hora do Mal" ("Weapons"), a mina de ouro da hora em Hollywood.

Lá, a aritmética do sucesso é medida a partir do momento que um filme fatura o equivalente três vezes o valor que custou, ou seja, um longa de US$ 10 milhões tem que acumular pelo menos US$ 30 milhões para ser considerado lucrativo. Dirigido por Zachary Michael Cregger (do cult "Noites Brutais"), "A Hora do Mal" foi rodado e lançado com base num orçamento de US$ 38 milhões. Até o fechamento desta edição, seu faturamento estava em US$ 259,5 milhões - ou seja, arrecadou quase sete vez mais do que gastou.

É raro — à exceção de "Corra" e "Nós", lançados respectivamente em 2017 e 2019 por Jordan Peele — encontrar um filme que alie o espanto a reflexões sociológicas com diálogos desconcertantes, sutileza e, ainda por cima, uma estrutura dramatúrgica de geometria não ortodoxa, à maneira de um quebra-cabeças. É esse o caso (notável) de "A Hora do Mal", já tratado como um potencial candidato ao Oscar. Em bom português: é um filme para se mijar de medo.

A linha de ação politizada que o argumento — da autoria de Creeger — traz é uma alusão, profundamente metafórica, à onda de crimes contra jovens em escolas, evocando o caso do massacre de Columbine, retratado por Gus Van Sant há 22 anos em "Elefante" (2003), vencedor da Palma de Ouro em Cannes.

Até a personagem da tia má, a Sra. Gladys (papel de Amy Madigan), aparecer, espectadoras/es de "A Hora do Mal" agarram-se à cadeira e roem as unhas até à raiz, tentando perceber que diabo aconteceu ao grupo de alunos da professora Justine (Julia Garner). Um dia, ao chegar para dar aula, ela se dá conta de que 17 crianças desapareceram, restando apenas uma: o pequeno Alex (Cary Christopher). Ninguém sabe o que aconteceu com a gurizada, o que leva muitos pais, sobretudo o Sr. Archer Graff (Josh Brolin, monumental na sua atuação), a criarem rancor contra Justine e a duvidar da sua índole. Algo nas raias da feitiçaria vai se fazer notar ao largo do sofrimento dela, respingando (sangue) sobre um diretor de escola (Benedict Wong) e seu companheiro, expondo homofobia, sexismo e outras malévolas formas de exclusão.

Hoje na HBO Max, "Pecadores", apoiado no carisma de Michael B. Jordan, faturou fortunas também. Custou alto (cerca de US$ 100 milhões), mas amealhou US$ 366,7 milhões na venda de ingressos. Quem está indo pelo mesmo caminho é o quarto capítulo da franquia "Invocação do Mal" ("The Conjuring"), batizado no Brasil com o subtítulo "O Último Ritual" ("Last Rites"). O gasto de US$ 55 milhões do projeto, supervisionado pelo Midas do terror James Wan (de "Jogos Mortais"), foi mais do que compensado numa receita que, hoje, beira a casa dos US$ 330 milhões - sendo que suas sessões seguem lotadas.

Essa cinessérie se baseia nos feitos reais do casal Warren, a sensitiva Lorraine Rita (1927 - 2019) e o demonologista Edward Miney (1926 -2006), que investigaram a veracidade de casos paranormais, sendo alguns ligados a manifestações de diabos na Terra. Wan dirigiu os dois filmes iniciais. O primeiro, lançado há 12 anos, custou US$ 20 milhões e faturou cerca de US$ 320 milhões. O segundo, de 2016, periga ser a maior obra-prima do filão horrorífico do século XXI. Custou US$ 40 milhões e contabilizou US$ 322 milhões, além de lançar dois vilões que ganharam spin-offs rentáveis: a boneca encapetada Annabelle e o trem-ruim A Freira.

Macaque in the trees
O casal Warren no quarto volume de 'Invocação do Mal', dirigido por James Wan | Foto: Warner Bros.

Lorraine e Ed, interpretados numa alquimia plena por Vera Famiga e Patrick Wilson, são heroicos, usando a paranormalidade e a palavra de Deus como armas. Em "O Último Ritual", a calmaria que desejam abraçar é interrompida por espíritos zombeteiros presos num espelho.

A partir desta quinta, as jazidas terroríficas do audiovisual ganham mais dois reforços de peso. Um deles, com a grife do escritor Stephen King, é "A Longa Marcha - Caminhe ou Morra" ("The Long Walk"), de Francis Lawrence, com Mark Hamill (o eterno Luke Skywalker) como o árbitro carniceiro de uma maratona mortífera. A outra manifestação de Satanás nas telonas vem da Austrália, com o crivo da Quinzena de Cineastas de Cannes: "Animais Perigosos" ("Dangerous Animals"), de Sean Byrne. Jai Courtney, o Capitão Bumerangue de "Esquadrão Suicida" (2016-2021) mete uma de malvadão no papel de um psicopata cujo gozo é servir vítimas a tubarões.