Émilie Lesclaux e Kleber Mendonça Filho... ela, francesa; ele, pernambucano... eles, juntos, um casal, parceiro na vida e na feitura de filmes esperados como "O Agente Secreto" ... assinam a produção (a partir da empresa Cinemascópio) brasileira do poema multinacional "Dormir De Olhos Abertos". Sua diretora, a alemã Nele Wohlatz, agregou parcerias taiwanesas, argentinas e germânicas na engenharia de produção deste estudo sobre interseções culturais num mundo onde a falta de pertencimento avança como metástase existencialista pelos corações.
A edição de imagens, na montagem feita a quatro mãos por Ana Godoy e Yann-Shan Tsai, obedece ao diapasão da delicadeza, gerando uma atmosfera de serenidade mesmo nos momentos onde solavancos pedem passagem pelo roteiro. Tudo se passa numa cidade costeira no Brasil. Kai (Liao Kai Ro) chega de Taiwan para as férias com o coração partido. Um ar-condicionado quebrado a envia para a loja de guarda-chuvas de Fu Ang (Wang Shin-Hong), que poderia se tornar um amigo, mas a estação chuvosa não chega, e o estabelecimento do rapaz desaparece.
Enquanto procura por Fu Ang, Kai descobre a história de Xiaoxin (Chen Xiao Xin) e um grupo de trabalhadores chineses em um chique arranha-céu. Kai se vê estranhamente espelhada no que se conta sobre Xiaoxin e seu desterro. Desterrar-se é almejar pertença nesta lírica cartografia de fricções geopolíticos vencedora do Prêmio da Crítica da Berlinale 2024. A direção de arte de Diogo Hayashi é um vértice de excelência numa narrativa que fala da solidão sem mistificar suas contraindicações.