Hollywood é logo ali... Academia Brasileira de Cinema escolhe nesta segunda o representante do país para brigar por mais um Oscar
Kleber Mendonça Filho (ao centro) no set de filmagens de 'O Agente Secreto', rodado em Recife. O thriller político ambientado em 1977 durante a ditadura militar é o mais forte concorrente a representar o país no Oscar 2026 | Foto: Divulgação
Estima-se que até segunda-feira (15), quando a Academia Brasileira de Cinema fará o anuncio do longa-metragem escolhido para representar o país na disputa por uma vaga na corrida pelo Oscar de 2026, um total de 50 nações já terão definidos seus eleitos para a apreciação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Até o fechamento desta edição, 42 pátrias se apresentaram para o certame hollywoodiano, num coletivo de produções das quais duas estão com mais visibilidade: o norueguês "Sentimental Value", de Joachim Trier, e o tunisiano "The Voice of Hind Rajab", de Kaouther Ben Hania.
Em comum, esses dramas têm o fato de terem saído vencedores na categoria Grande Prêmio do Júri em dois dos maiores festivais do mundo. O primeiro brilhou em Cannes, narrando a crise de uma atriz de teatro com seu pai cineasta; o segundo comoveu Veneza, recriado o calvário de uma menina palestina. Seis produções com o Brasil no DNA estão em fase de análise para ver qual há de integrar essa geopolítica de imagens e, possivelmente, buscar nossa segunda estatueta dourada. A primeira foi conquistada este ano, por Walter Salles, com seu "Ainda Estou Aqui", hoje no ar no Globoplay. A fornada que está no páreo inclui "Baby", de Marcelo Caetano; "Kasa Branca", de Luciano Vidigal; "Manas", de Marianna Brennand; "O Último Azul", de Gabriel Mascaro; "Oeste Outra Vez", de Erico Rassi; e "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, que abre o Festival de Brasília esta noite.
Há um pedacinho de Brasil em cada membro da lista
Premiado no Festival de Berlim, 'O Último Azul', de Gabriel Mascaro, tem o astro Rodrigo Santoro em seu elenco | Foto: Guillermo Garza/Divulgação
Há um pedacinho e uma problemática de Brasil diferentes em cada um desses candidatos a cult, num coletivo de modos de olhar com espaço nobre para cartilhas de gênero (love story; crônica geracional; drama de amadurecimento; aventura; western; thriller) e para urgentes desconstruções de intolerâncias. Muitos tiveram destaque em mostras tamanho GG do exterior, sendo que o longa de Rassi veio de Gramado e o de Vidigal nasceu no Festival do Rio. O único inédito em nosso circuito é o de Kleber, que teve sua primeira projeção pública no país na quarta-feira, no Recife.
Aos olhos da crítica, do mercado exibidor e de profissionais de diferentes áreas da produção audiovisual, "O Agente Secreto" é o título "já ganhou" dos seis, apoiado numa trajetória que lembra a de "Ainda Estou Aqui" em sua reverberação em festivais de peso. Bola da vez, o inflamável suspense pernambucano dirigido pelo realizador de "O Som Redor" (2012) deu seus primeiros passos em Cannes, onde venceu em quatro frentes. Concorrente à Palma de Ouro, foi agraciado com o troféu de Melhor Direção (dado a Kleber) e o de Melhor Ator, confiado ao baiano Wagner Moura, pelo júri oficial, presidido por Juliette Binoche. Recebeu na Croisette ainda o Prêmio da Crítica - dado pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica, a Fipresci - e um prêmio da Associação de Cinemas de Arte e Ensaio.
O que vemos ao longo de suas duas horas e 38 minutos é a luta pela vida de um pesquisador e professor universitário (papel de Wagner) perseguido por matadores no Brasil de 1977, numa ditadura conivente com abusos de empresários e agentes da polícia. Essa peleja contra um estado corrupto acaba de passar pelo TIFF - Festival de Toronto, no Canadá, que costuma abrir as portas da Academia para potenciais concorrentes. Eleito Melhor Filme em Lima, no Peru, "O Agente Secreto" zarpa de terras canadenses para passar pela mostra Perlak de San Sebastián (de 19 a 27 de setembro) e pelo BFI, em Londres (de 8 a 19 de outubro). Mostras em Biarritz, Nova York e Zurique estão em seu radar.
"Nós queremos levar 'O Agente Secreto' o mais longe que conseguirmos," declarou Ryan Werner, presidente de cinema global da Neon, empresa responsável por distribuir o filme nos Estados Unidos, em comunicado à imprensa.
Com estreia no Brasil marcada para 6 de novembro, "O Agente Secreto" tem fôlego (e tem Wagner Moura) para se tornar um blockbuster, termo aplicado a longas que vendem mais de 1 milhão de ingressos. Nenhum de seus competidores na escolha da Academia Brasileira chegou perto de um faturamento desses, sendo que "O Último Azul", coroado com o Grande Prêmio do Júri da Berlinale, em fevereiro, estreou no fim de agosto e segue em cartaz.
Esse river movie tem Rodrigo Santoro, astro de forte expressão por telas anglófilas, embora seja protagonizado por Denise Weinberg, em colossal atuação. Seu enredo ataca o etarismo, ao falar de uma distopia em que pessoas com mais de 70 anos são trancadas em centros para idosos.
Jamilli Correa e Dira Paes em cena de 'Manas', saiu premiado da mostra Giornate degli Autori, mostra paralela de Veneza | Foto: Divulgação
Todos os seis oscarizáveis do Brasil atacam algum mal que acossa a sociedade brasileira, hoje e sempre. "Manas" - que saiu com o prêmio principal da Giornate Degli Autori, mostra paralela do Festival de Veneza, em 2024 - faz do abuso sexual contra menores seu objeto, ao destroçar o câncer do machismo e a praga da pedofilia. Seu roteiro, em que uma adolescente na Região Norte lida com a brutalidade do pai, encantou o ator e diretor Sean Penn, que expressou seu apoio ao longa de Mariana Brennand. Por seu trabalho de radical relevância no combate ao sexismo e na afirmação da coragem das mulheres brasileiras, a diretora ganhou o Women In Motion Emerging Talent Award 2025, entregue a ela em Cannes, em maio.
'Baby' rendeu prêmios a seus protagonistas, Ricardo Teodoro e João Pedro Mariano, em diferentes festivais internacionais | Foto: Divulgação
Machismos se atomizam também em "Baby" - que despontou na Semana da Crítica de Cannes do ano passado, falando do amor entre um garoto de programa e um jovem recém-saído de um reformatório - e em "Oeste Outa Vez", que ganhou um balde de Kikitos espatifando a noção de hombridade e de virilidade a partir de uma disputa entre homens.
Vencedor do Festival de Gramado no ano passado, 'Oeste Outra Vez', de Erico Rassi, desconstrói o machismo | Foto: Divulgação
"Kasa Branca" também dá suas espinafradas nos vacilos da condição masculina, ao mesmo tempo em que flagra ecos do racismo (numa abordagem policial), embora se afirme como um épico sobre alianças em Mesquita.
'Kasa Branca' rendeu a Luciano Vidigal prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio | Foto: Fotos/Divulgação
Ganhe quem ganhar, ganhamos todos... na possibilidade de revisão de uma safra em que o Brasil se mostra vivo e inquieto nas telas. A questão a ser analisada é: qual dos seis mais tem elementos para agradar os colegiados da Academia de Hollywood? Não é em temáticas que a turma de lá vota, nem em causas, embora essas sejam essenciais para nos reconhecermos, aqui, na força de nosso cinema e em sua singularidade, expressa na língua portuguesa, na Pangeia latino-americana. O que estará em jogo nesta segunda é o título que, respeitando essa forma singular de mirar seu povo, melhor possa sensibilizar a Meca do Cinemão.
No histórico latino de pilares de autoralidade, Kleber é hoje um estandarte, coroado lá fora pelo já citado "O Som ao Redor"; por "Aquarius" (2016); por "Bacurau" (codirigido por Juliano Dornelles), que ganhou o Prêmio do Júri de Cannes em 2019; e por "Retratos Fantasmas" (2023), sem contar curtas como "Vinil Verde" e "Recife Frio". É bonito ver que seu nome, aos olhos da Academia Brasileira, está cercado pelo de cinco cineastas de notável vigor.