Ganhador do Urso de Ouro da Berlinale de 2023 com "No Adamant", o francês Nicolas Philibert caiu na real de que o documentário tira todo e qualquer glamour dos clichês sociológicos ali pelo fim dos anos 1970, quando começou a criar uma obra autoralíssima que, até o dia 21, vai mobilizar a telona da Caixa Cultural, no Centro do Rio. Nesta quinta (11), o diretor de 74 anos estará lá para um debate com a realizadora Flavia Castro e o professor e pesquisador Cezar Migliorin.
O papo vai começar logo após a sessão de seu longa-metragem mais recente, "A Máquina de Escrever e Outros Aborrecimentos" ("La Machine à Écrire et Autressources de Tracas", 2024), agendado para as 16h30. A mediação será de Jeanne Dosse, que assina a curadoria em duo com Tatiana Devos Gentile.
Nesta quarta, o realizador projeta dois longas no espaço exibidor da Rua do Passeio, 38. Às 15h passa "A Voz do Seu Mestre" ("La Voix de Son Maître"), que marcou sua estreia como diretor, em 1979, numa estreia em parceria com Gérard Mordillat. Nele, doze chefes de grandes empresas francesas (L'Oréal, Darty, IBM-France, Paribas, Le Club Med) falam sobre poder, comando, hierarquia, greve. Às 17h10, é a vez de "Averroès & Rosa Parks", lançado na Berlinale de 2024, fora de concurso, como foco em pacientes e profissionais da saúde de um polo psiquiátrico de Paris.
Essa produção é uma espécie de gêmea do supracitado "Sur L'Adamant", que a Caixa exibe no dia 20, às 14h30. Nesta sexta, às 18h, passa seu aclamado "Ser e Ter" ("Être et Avoir", 2002), que fez sucesso no Brasil às duas décadas retratando uma escola de ensino fundamental. Na conversa a seguir, Philibert explica sua forma de filmar e dessacraliza mitos cinematográficos.
O audiovisual brasileiro emplacou vários expoentes autorais no documentário sobretudo a partir dos anos 1960. Existe no Brasil, como em toda a América Latina, a percepção de que a interação do cinema com os dispositivos da não ficção legitima investigações sociológicas. Que espaço a narrativa documental tem na França?
Nicolas Philibert - Existe uma blague de que ficção é "cinema de rico", por ter mais dinheiro do que a verba - ainda precária - destinada aos projetos de documentário, mas, até neste terreno há "ricos" e "pobres". Para além dessa brincadeira, existe uma efervescência da produção, pois a cada semana eu vejo pelo menos três filmes documentais estrearem nas salas da França. Eu não tenho conhecimento para avaliar em que pé está o documentário no Brasil hoje. Eu um vi um filme brasileiro ano passado na Quinzena de Cineastas de Cannes ("A Queda do Céu", de Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha) e conheço a obra que o diretor francês Jean-Pierre Duret faz com sua mulher, a brasileira Andrea Santana (como "Le Rêve de São Paulo").
Qual foi a maior lição que o cinema lhe trouxe ao longo de cinco décadas de ofício nas veredas do real?
Não existe "o real", no cinema. Um documentário jamais será uma realidade, ele é apenas uma interpretação. O olhar de quem filma traz uma subjetividade para o contexto retratado que será sempre singular. Eu posso dar o mesmo objeto a três cineastas e cada um fará uma abordagem diferentes. Eu faço filmes para aprender. O cinema foi a forma que eu encontrei de compreender o mundo confrontando meus limites. É como se a câmera me protegesse. Existe os outros e eu. A mise-en-scène estabelece um distanciamento a partir do qual eu vou ouvir pessoas.
Que França está no centro de seu enquadramento?
A França dos grupos populares que tentam resistir à devastação imposta por problemas sociais. Uma França que está além dos tecidos sociais que circundam as elites. Eu venho abordando as questões psiquiátricas em meus filmes mais recentes sempre driblando o individualismo, mas preservando particularidades. Eu quero mostrar o paciente para além do sintoma. O cinema que eu faço depende da palavra.
Como é filmar a palavra e como é enquadrar o silêncio?
A televisão massacrou a palavra no momento em que descartou os tempos mortos dos diálogos. A TV detesta os silêncios, mas as hesitações são parte do discurso de um indivíduo. São sua pontuação. Essa pontuação me interessa, assim como os gestos, assim como a forma de a pessoa se espalhar em cena. Tudo isso diz muito sobre ela. Filmar a palavra é saber ir além do que a transcrição convencional elimina.
O que sua estética da empatia pretende?
Ampliar a visão que temos do outro sem cair no lugar comum.