Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Jim Jarmusch ruge em Veneza

'Father, Mother, Sister, Brother' traz uma narrativa trifurcada e salpicada de risos e lágrimas | Foto: Divulgação

Editado pelo montador brasileiro Affonso Gonçalves, o painel afetivo "Father Mother Sister Brother", do americano Jim Jarmusch, conquistou o Leão de Ouro de 2025 no encerramento do 82º Festival de Veneza. Um elenco monumental (Tom Waits, Adam Driver, Mayim Bialik, Charlotte Rampling, Cate Blanchett, Vicky Krieps e Françoise Lebrun) eletrificam uma narrativa trifurcada, salpicada de riscos e lágrimas pelo diretor de 72 anos, encarado desde a década de 1980 como um papa da independência.

Fez sua fama com cults como "Flores Partidas" (2005), "Daunbailó" (1986) e "Estranhos no Paraíso" (1984). Há três histórias em seu roteiro agraciado com o troféu veneziano e elas tratam das relações familiares. Cada um dos três capítulos se passa no presente e em um país diferente. "Pai" se passa no nordeste dos Estados Unidos; "Mãe" ocorre em Dublin, na Irlanda; e "Irmã Irmão" se descortina em Paris, na França. O filme é uma série de estudos de personagens: tranquilo, observacional e sem julgamentos. É uma comédia, mas entrelaçada com fios de melancolia.

"Filmo personagens que buscam afirmar um modo particular de levar a vida", disse Jarmusch ao Correio da Manhã em meio à feitura do longa.

Prestes a rodar "Os Corretores", do diretor carioca Andrucha Waddington (seu companheiro há décadas), Fernanda Torres, a aclamada estrela de "Ainda Estou Aqui", integrou o júri veneziano deste ano ao lado da atriz chinesa Zhao Tao, da diretora italiana Maura Delpero e de mais três cineastas: o francês Stéphane Brizé, o romeno Cristian Mungiu e o iraniano Mohammad Rasoulof. Essa claque de artistas completou-se com a presença do realizador americano Alexander Payne (de "Os Rejeitados" e "Nebraska"), que presidiu o coletivo. Em 2024, o maior sucesso de Fernanda na telona recebeu a láurea de Melhor Roteiro. Na festa do último sábado, essa categoria teve como vencedores a diretora Valérie Donzelli e o roteirista Gilles Marchand, por "À Pied D'Oeuvre", sobre um fotógrafo em fricção profissional.

Payne, Fernanda e etc. deram o Prêmio Especial do Júri a "The Voice of Hind Rajab", dirigido pela tunisiana Kaouther Ben Hania. No pódio de vencedoras/es, quem vence nessa seara equivale a atletas que ganham a medalha de prata nos Jogos Olímpicos, não à toa esse Leão é prateado. O foco geográfico de seu enredo é Gaza. Sua diretora volta no tempo até 29 de janeiro de 2024. Ali, voluntários da Cruz Vermelha recebem uma chamada de emergência: uma menina de seis anos está presa em um carro sob fogo cruzado, implorando por socorro. Seu calvário comoveu Veneza e saiu ovacionado.

Existe ainda um Prêmio do Júri (espécie de medalha de bronze), que foi para o documentário "Sotto Le Nuvole", de Gianfranco Rosi, diretor egresso da Eritreia. A narrativa faz um registro de populações que vivem cercadas por vulcões, sob o risco de erupções.

"O documentário seja um espaço de resistência", disse Gianfranco.

A estatueta de Melhor Direção foi confiada ao ator nova-iorquino Benny Safdie, que começou a dirigir em duo com seu irmão, Josh, e hoje roda longas solo. Ele foi coroado por sua destreza no comando de "Coração de Lutador - The Smashing Machine", com Dwayne Johnson no papel de um ás do MMA em reinvenção.

Veneza sintetiza sua grandiosidade numa figura leonina, mas os troféus dados a atrizes e atores não seguem o design de felino, assemelhando-se a taças e sendo chamados de Copa Volpi. As vitórias deste festival no setor de interpretação ficaram com a chinesa Xin Zhilei, que brilhou no drama romântico "The Sun Rises on Us All", e com o titã napolitano Toni Servillo. Ele arrebatou aplausos com sua atuação no papel de um presidente da República em crepúsculo afetivo em "La Grazia", produção dirigida por Paolo Sorrentino que abriu o evento.

"Não imaginava ser premiado por uma atriz que me encantou este ano, com um grande filme", disse Servillo, ao receber sua Copa das mãos de Fernanda, elogiando "Ainda Estou Aqui".

Existe ainda o troféu Marcello Mastroianni, atribuído a astros em início de carreira. A suíça de Zurique Luna Wedler foi o talento galardoado com esse prêmio por Payne & cia, à luz de seu desempenho em "Silent Friend".

Sem espaço na disputa pelo Leão, a América Latina lavou sua alma no Lido ao ganhar o Prêmio Orizzonti por rotas mexicanas, com o thriller queer "En El Camino", de David Pablos. Em sua trama, Veneno, um jovem rebelde e vagabundo, frequenta lanchonetes à beira da estrada, onde dorme com caminhoneiros. Precisando urgentemente de uma carona, ele conhece Muñeco, um motorista rude e reservado. À medida que viajam juntos e uma intimidade inesperada se desenvolve entre eles, sombras do passado de Veneno ressurgem, colocando a vida de ambos em risco.

 

Os premiados

Logo Festival de Veneza | Foto: Divulgação

Leão de Ouro: "Father Mother Sister Brother", de Jim Jarmusch

Grande Prêmio do Júri: "The Voice of Hind Rajab", de Kaouther Ben Hania

Prêmio do Júri: "Sotto Le Nuvole", de Gianfranco Rosi

Prêmio de Direção: Benny Safdie, por "Coração de Lutador - The Smashing Machine"

Copa Volpi de Melhor Atriz: Xin Zhilei, por "The Sun Rises on Us All"

Copa Volpi de Melhor Ator: Toni Servillo, por "La Grazia"

Prêmio Marcello Mastroianni de Intérprete Revelação: Luna Wedler, por "Silent Friend"

Melhor Roteiro: Valérie Donzelli e Gilles Marchand, por "À Pied D'Oeuvre"

Prêmio da Crítica Fipresci: "Silent Friend", de Ildikó Enyedi

Melhor Curta: "Without Kelly", de Lovisa Sirén

Prêmio mostra Horizontes: "En El Camino", de David Pablos (México)

Prêmio Luigi DeLaurentiis de Melhor Filme de Estreia: "Short Summer", de Nastia Korkia (Sérvia)