Por: Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Biarritz, embaixada cinéfila do Brasil

O filme 'O Agente Secreto', de Kleber Mendonça Filho, será exibido no próximo dia 20, data de abertura do festival que fez do balneário francês uma embaixada do cinema latino americano | Foto: Divulgação

Há de se ouvir o português, com um tempero pernambucano de coentro e o molejo baiano de Wagner Moura, já, já em Biarritz, éden à beira-mar situado no Sudoeste da França e povoado por 25,7 mil moradores, que se estende por uma área de 11,66 km², localizada a 35 km da fronteira com a Espanha, em território basco. "O Agente Secreto", de Kleber Mendonça Filho, vai se fazer ouvir (e aplaudir) por lá no próximo dia 20, inaugurando a 34ª edição da maratona audiovisual que, desde o fim da década de 1970, fez daquela cidade uma embaixada cinéfila da América Latina.

O festival anual daquela região serve de vitrine para produções do continente de colonização ibérica entrarem no radar do circuito europeu, tanto o francófono, quanto o espanhol, uma vez que San Sebastián - onde ocorre, quase na mesma época, uma das mais prestigiosas competições de longas-metragens do planeta - fica ali do ladinho. Aliás, Kleber vai estar por SS também, projetando seu candidato a cult (ímã de Oscars) na mostra Perlak. Antes, no balneário francófono, KMF vai inaugurar uma programação que traz o Brasil em muitas latitudes, incluindo as competições de ficção e documentário, além do certame de curtas.

"Uma vez que o 'O Agente Secreto', depois de suas vitórias recentes em Cannes (onde ganhou quatro láureas), virou um dos filmes mais importantes do ano, no mundo, a América Latina se fortalece com ele e passa pelas telas do planeta com um projeto estético sólido, num momento em que o cinema de autor vive uma crise internacional", diz Jean-Christophe Berjon, crítico e diretor teatral que assina a direção artística de Biarritaz. "Com o retorno de Lula e a política em transformação, o Brasil está em grande forma, o que justifica sua presença em todas as nossas seções, com filmes humanistas, que olham a sociedade sob miradas diversificadas".

Duas diretoras brasileiras estão no páreo pelos prêmios de longas ficcionais de Biarritz: Flavia Castro e Anna Muylaert. A primeira concorre com "As Vitrines", que será exibido por aqui no Festival do Rio, em outubro, narrando a agitação de ativistas de esquerda na embaixada da Argentina, logo após o golpe de estado de Pinochet no Chile, em 1973. Já Muylaert levar até lá o misto de aventura e melodrama, já em cartaz no Brasil, sobre uma catadora de material reciclável (Shirley Cruz, em estonteante atuação) que foge da violência no namorido. Elas concorrem com títulos de peso, como "Um Poeta", da Colômbia, que saiu premiado de Cannes e coleciona troféus por onde passa. Outra concorrente forte é "Belén", da portenha Dolores Fonzi, sobre aborto.

Na competição de expressões documentais, a aclamada Lucia Murat entra em campo com "Hora do Recreio", que lhe rendeu menção honrosa na Berlinale, ao falar de estudantes do ensino público. Além dela, a seara latina de documentaristas em disputa em Biarritz joga holofotes sobre o Brasil aos flanar pelas instalações geopolíticas de "Copan", dirigido por Carine Wallauer, com foco na construção homônima. Na seção "Cortometrajes", vão ter resquícios de brasilidade em "Samba Infinito" (que tem Gilberto Gil como ator) e "Presépio", de Felipe Bibian.

Nas veredas fora de concurso, "Malaika", de André Morais, vai gerar debate ao falar de exclusão, a partir de uma jovem albina. Nessa leva hors-concours de Biarritz, o cinema do Rio de Janeiro pede passagem com o explosivo "Precisamos Falar", de Rebeca Diniz e Pedro Waddington. O roteiro de Sergio Goldenberg - baseado no romance "O Jantar", de Herman Koch, e supervisionado por George Moura - é uma aula de dramaturgia, apoiado numa direção nervosa que lembra muito o italiano Marco Bellocchio de "Bom Dia, Noite" (2003). É o melhor filme de Bellocchio que Bellocchio não fez. Na trama, adolescentes de classe média alta agridem uma mulher em situação de rua que dormia em um caixa eletrônico e ela acaba morrendo. As câmeras não permitem identificar os culpados, mas seus pais (dois irmãos e suas esposas) os reconhecem e precisam enfrentar o dilema de denunciá-los ou não à polícia. A magistral atuação de Alexandre Nero e a devastadora composição de Marjorie Estione no papel de uma Lady Macbeth de Zona Sul fazem desse ensaio sobre o maquiavelismo uma aula de sociologia - e de bom cinema.

"Meu Nome É Bagdad", premiado drama geracional de 2020 de Caru Alves de Souza, que acaba de virar série, terá lugar em Biarritz também. Por lá será visto ainda "Para Vigo Me Voy!", .doc em tributo a Cacá Diegues (1940-2025), coroado com menção honrosa em Gramado.

"Biarritz preservou um público forte ao longo das três décadas em que propõe encontros amorosos com a América Latina, a partir de seu cinema, explica Berjon, que lança este ano um programa paralelo chamado Migrações, para falar de êxodos geográficos, onde está o longa de DNA pernambucano "Dormir de Olhos Abertos", de Nelle Wohlatz. "O movimento migratório é muito representativo da realidade latina e inspirou produções de importância histórica como 'Terra Estrangeira', de Walter Salles e Daniela Thomas, que foi um marco há 30 anos".

Biarritz termina em 26 de setembro.