Eduardo Moscovis, à moda Mastroianni, brilha em Gramado

Ator alça rasantes de invenção como astro de 'Querido Mundo', adaptação do sucesso teatral de Miguel Falabella que o eterno Caco Antibes transformou em filme

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Eduardo Moscovis posa ao lado de um boneco do Kikito no Palácio dos Festivais. O ator é, de longe, o favorito a troféu por seu desepenho em 'Querido MUndo', de Miguel Falabella

Até o 31 de agosto, neste fim de semana e no próximo, Eduardo Moscovis tem compromisso inadiável com o Teatro dos 4, ao lado de Patrycia Travassos, amealhando mais e mais público para "Duetos", peça que virou coqueluche. Neste sábado (23), entretanto, fortes são as chances de ele receber aplausos também noutro palco, o do Palácio dos Festivais de Gramado, a julgar pelo Marcello Mastroianni que Miguel Falabella tirou de dentro dele. O ator alumbra "Querido Mundo", a nova incursão do eterno Caco Antibes por trás das câmeras. Baseado numa peça de sua própria autoria, o longa-metragem foi o arrasa-quarteirão desta edição nº 53 da maratona cinéfila gaúcha, dividindo opiniões.

Ódios, imposturas, amores e fofuras cercam "Querido Mundo", uma fábula com ecos de Federico Fellini (1920-1993) de cabo a rabo (a começar por sua trilha sonora à moda Nino Rota, composta por Plínio Profeta), num preto e branco que lembra "8 ½" (1963).

Divulgação - Malu Galli e Eduardo Moscovis têm atuações de tirar o chapéu em 'Querido Mundo', a nova incursão de Miguel Falabella na direção cinematográfica

Há closes em Eduardo Moscovis que evocam esse cultuado filme todo o tempo, assim como "La Dolce Vita" (1960). Malu Galli, que vive Elsa, uma aspirante a antropóloga alvejada pela fúria do marido troglodita, tem atuação infalível. Sua infalibilidade galvaniza tudo de bom que Moscovis oferta à telona no papel do engenheiro Oswaldo.

A competição pela láurea gramadense de Melhor Atriz que ela encara é forte, com Saravy ("Nó") e Denise Fraga ("Sonhar Com Leões") tinindo de bem, como suas rivais. Já ele foi um sol em plenitude.

Sua interpretação dele botou Gramado no bolso. "O Miguel, em si já é interessante, por ser um ator, autor e diretor, fazendo de tudo ao mesmo tempo, capaz de fazer musical no teatro, ao mesmo tempo em que atua em séries e novela", diz Moscovis, que estrelou o longa anterior de Falabella, "Veneza", em 2019. "Ele tem uma marca muito particular. O que tentei, como Oswaldo, foi trazer um respiro que ele aceitasse", explica o ator.

Este ano, festivais na China e na Alemanha conferiram Moscovis brilhar em "Cyclone", de Flavia Castro, ao lado de Luiza Mariani. Em seu histórico pela telona, ele brilhou tanto em posição coadjuvante (caso de "Bendito Fruto" e de "Corações Sujos") quanto protagonizando tramas (como "180º" e "Ela e Eu", que deu o troféu Candango em Brasília, em 2021). Nada disso se equipara ao que faz em "Querido Mundo". Seu Oswaldo é um perdedor profissional que, numa noite de réveillon, tromba com Elsa nos escombros de um prédio. Ali esbanja afeto.

"Esse é o homem em que eu acredito, um homem que tem escuta. Sou pai de três meninas e de um menino, meu caçulinha. O mundo que eu desejo que ele habite é um mundo onde o masculino é menos impositivo", diz Moscovis, que encena este ano um monólogo chamado "O Motociclista no Globo da Morte". "É um trabalho com o Leonardo Netto e Rodrigo Portella. Estou ansioso".

Outras expectativas

Falta só um filme, "Até Onde A Vista Alcança", de Alice Villela e Hidalgo Romero, para que a seleção competitiva de Gramado em 2025 chegue ao fim, sendo que essa produção paulista sobre ancestralidade indígena concorre na seara dos documentários. Nesse terreno, é firme e forte a torcida em prol de "Para Vigo Me Voy!", de Karen Harley e Lírio Ferreira, que presta um afetuoso réquiem para o diretor alagoano Cacá Diegues (1940-2025), morto em fevereiro.

Sua primeira sessão no mundo ocorreu em maio, no Festival de Cannes, de onde veio também "Samba Infinito", o curta-metragem mais possante da safra de pílulas cinematográficas da competição gaúcha. É uma trama que também celebra entidades ancestrais, seja o Povo de Rua do carnaval do Rio, sejam os sábios arcanos de nossa literatura, simbolizados na figura de Gilberto Gil - que merecia um prêmio especial por sua atuação.

Na seara dos longas de ficção, quem pode dar trabalho a "Querido Mundo" é uma produção do Centro-Oeste, com CEP no DF e vetores territoriais em Goiás, batizada de "A Natureza das Coisas Invisíveis". A Berlinale, na Alemanha, foi seu primeiro pouso, no início do ano. A direção de Rafaela Camelo, notável sobretudo no trato com seu elenco mirim, é um alvo de carícias no gosto da crítica.

Flávio Oliveira/Divulgação - Depois de passar pela Berlinale, a produção brasiliense 'A Natureza das Pequenas Coisas' ganha força no festival gaúcho

Em sua trama, Glória, de dez anos (vivida com encantamento por Laura Brandão), acompanha a mãe, a enfermeira Antônia (Larissa Mauro), no trabalho, em um ambiente hospitalar onde pacientes de idade avançada padecem de moléstias diversas. A garota já conhece o local e costuma explorá-lo sozinha. Tem um passivo de enfermidade, expressa por uma marca em seu peito. Um dia, ela conhece Sofia (Serena), que tem a mesma idade e está lá por causa da bisavó (Aline Marta Maia), uma curandeira espiritual. Essa senhora sofre de Alzheimer, mas ainda faz suas invocações. A mãe da garota (papel de uma inspirada Camila Márdila) já não sabe mais como lidar com a impaciência de Sofia. A aproximação dessa mulher com Antônia também fomenta a cumplicidade entre as duas protagonistas de dentes de leite, enquanto o roteiro envereda por uma discussão de identidade de gênero. Dificilmente essa produção sairá do Rio Grande do Sul sem prêmios. Merece destaque também o desempenho de Leo Jaime, no papel dele mesmo, no thriller cômico queer "Papagaios", de Douglas Soares.