Gol suíço-brasileiro em Locarno

O curta 'O Rio de Janeiro Continua Lindo' é premiado no festival europeu, que consagra o Japão ao conferir o Leopardo de Ouro ao diretor Sho Miyake

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

O realizador Felipe Casanova com o trófeu conquistado por seu curta 'O Rio de Janeiro Continua Lindo'

Ao rugir elogiosamente para o Japão, confiando o troféu Leopardo de Ouro a "Two Seasons, Two Strangers", de Sho Miyake, o Festival de Locarno ampliou o rol de vitórias do cinema brasileiro no exterior neste ano em que o país (enfim) conquistou um Oscar (com "Ainda Estou Aqui"), ao premiar "O Rio de Janeiro Continua Lindo". Atualmente radicado entre Genebra e Bruxelas, seu diretor, o suíço-carioca Felipe Casanova, venceu a competição Corto Nazionale, que coroa a prata da casa, ainda que feita em conexão com outros países, como o Brasil. A premiação foi anunciada no sábado.

A plateia se encantou com a narrativa de Casanova, que se constrói em meio à folia do Carnaval, quando uma mulher, Ilma, escreve para o filho, sob a dor de uma perda. A inquietação da dramaturgia vem do processo afetivo a partir do qual ela sente a presença dele na multidão. A partir do relato dela, a celebração do Rei Momo é desenhada na tela como um espaço de memória e também de resistência política.

Un point bleu pâle - 'O Rio de Janeiro Continua Lindo', de Felipe Casanova, sai premiado do festival suíço

"As filmagens dos blocos de rua do carnaval foram feitas de maneira muito espontânea. Era eu e a minha câmera Super-8", diz Casanova ao Correio. "Acho que consegui captar a energia da folia que acontece durante os blocos graças a esse dispositivo de filmagem leve e espontâneo. Eu me fundi a massa e imergi nela, para me aproximar ao máximo da sensação de estar lá dentro. Todo o material era super raro, porque foi filmado em película e nada era ensaiado".

Ganhador da láurea mais disputada de Locarno, em 2025, o japonês Sho Miyake, nascido em 1984, iniciou a carreira em 2012, com "Playback", e chamou atenção em 2022, ao passar pela Berlinale com "Small, Slow But Steady". Em "Two Seasons, Two Strangers", Miyake trava um diálogo com as HQs de Yoshiharu Tsuge, um mestre dos mangás.

Divulgação - 'Two Seasons, Two Strangers' conquistou o Leopardo de Ouro de 2025, num diálogo do cinema japonês com as HQs de sua pátria

 

No enredo do longa, o casal Nagisa e Natsuo se encontra à beira-mar. Engatam um esboço de romance trocam palavras constrangedoras e entram no oceano encharcado pela chuva. Essa porção do longa se passa num verão. Já no inverno, Li, uma roteirista, viaja para uma vila coberta de neve. Lá, ela encontra uma pousada administrada pelo taciturno atendente chamado Benzo. Suas conversas raramente se conectam, mas eles partem em uma aventura sentimental inesperada.

O Prêmio Especial do Júri presidido pelo diretor cambojano Rithy Pahn ficou com "White Snail", também uma história de amor - assim como "Two Seasons, Two Strangers". Trazida da Áustria por Elsa Kremser e Levin Peter, a trama fala de uma modelo que ensaia um romance com um agente funerário com ambições artísticas. Marya Imbro e Mikhail Senkov, que encarnam essa dupla dolorosamente apaixonada, ganhou o Prêmio de Interpretação, num empate com a chilena Manuela Martelli e a eslava Ana Marija Veselcic, laureada pelo drama "God Will Not Help", da Croácia.

A menção honrosa das juradas e jurados presididos por Rithy ficou para Geórgia, à luza da arte de tons fabulares de Alexandre Koberidze, que ainda recebeu o Prêmio da Crítica (atribuído pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica - Fipresci) por "Dry Leaf". Koberidze narra em seu mais recente trabalho a busca por uma fotógrafa desparecida.

Ao escolher que artista ganharia a láurea de Melhor Direção de Locarno este ano, Rithy decidiu em favor do libanês Abbas Fahdel, que impressionou olhares com "Tales Of The Wounded Land". O documentário é uma crônica íntima da guerra que devastou o sul do Líbano durante um ano e meio, capturando o cotidiano daqueles que foram apanhados pela violência.