Nem todo carnaval tem seu fim em Locarno

Brasil entra na disputa pelos prêmios da seção Pardi di Domani do festival suíço com 'O Rio de Janeiro Continua Lindo', produção com a Bélgica e a Suíça dirigida por Felipe Casanova

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

'O Rio de Janeiro Continua Lindo', de Felipe Casanova, sai premiado do festival suíço

Coalhados de láureas na Europa, "O Último Azul" (Grande Prêmio do Júri da Berlinale) e "O Agente Secreto" (ganhador de quatro honrarias em Cannes) podem ser premiados no Festival de Lima, no Peru, no sábado, assim como "Suçuarana", de Clarissa Campolina e Sérgio Borges. Neste momento de vitórias no plural para o cinema brasileiro em mostras competitivas no exterior, cinco meses depois de um Oscar ser dado a "Ainda Estou Aqui", o país se amalgama a produções europeias de respeito na grade do 78º Festival de Locarno, que chega ao fim neste sábado, em busca de consagração.

Entre os longas que disputam o troféu Leopardo de Ouro, o romeno Radu Jude faz parceria com o produtor Rodrigo Teixeira para filmar "Drácula", uma alegoria filosófica política - xará do épico de Luc Besson hoje em cartaz. Jude estampa um "já ganhou!" a julgar pelas resenhas elogiosas que recebeu de sábado para cá. Já entre os curtas, na mostra Pardo di Domani, Locarno confere um aroma de brasilidade numa parceria entre suíços e belgas com talentos cariocas chamada "O Rio de Janeiro Continua Lindo".

Sua narrativa se passa em meio à folia do Carnaval do Rio, quando uma mulher, Ilma, escreve para o filho. A inquietação da narrativa, construída sob a direção de Felipe Casanova, é entender como ela sente a presença dele na multidão? Suspendida no tempo, a celebração do Rei Momo se torna um espaço de memória e também de resistência política.

"As filmagens dos blocos de rua do carnaval foram feitas de maneira muito espontânea. Era eu e a minha câmera Super-8", diz Casanova ao Correio. "Acho que consegui captar a energia da folia que acontece durante os blocos graças a esse dispositivo de filmagem leve e espontâneo. Eu me fundi a massa e imergi nela, para me aproximar ao máximo da sensação de estar lá dentro. Todo o material era super raro, porque foi filmado em película e nada era ensaiado".

Na lógica do cineasta, a partir dessa primeira imersão, aparentemente festiva, o filme entra, pouco a pouco, em um ponto de vista subjetivo, que levou Locarno à jornada de uma perda íntima, desenterrando fantasmas do nosso passado.

"A ideia era usar o Carnaval, uma festa que todos conhecem no exterior, como ponto de partida para tentar revelar algo da sociedade brasileira mais escondido: o violento racismo estrutural. E o Carnaval, pelo o que ele é e pelo que simboliza, foi o melhor setting para contar essa história", diz Casanova, um artista de origem suíço-brasileira, criado no Rio de Janeiro.

Atualmente radicado entre Genebra e Bruxelas, seu trabalho envolve uma abordagem híbrida, explorando formas singulares para cada projeto. Aposta especulações ficcionais que emergem de encontros com o real. Antes de "O Rio de Janeiro Continua Lindo", fez "Loveboard" (2023). "Acredito que o filme seja intrinsecamente e profundamente brasileiro pela história que ele conta, pelo simbolismo que ele carrega e pelas diversas camadas que se encontram nele", diz o realizador. "A parte Suíça é só a minha dupla-nacionalidade e o fato de eu morar entre Genebra e Bruxelas. O dinheiro que permitiu a pós-produção do filme vem da Europa. Tendo esse aspecto à parte, considero o filme majoritariamente como um filme brasileiro".

Nesta quinta, a aposta da competição de longa de Locarno é "Tales of the Wounded Land", de Abbas Fahdel, uma crônica íntima da guerra que devastou o sul do Líbano durante um ano e meio, capturando o cotidiano daqueles que foram apanhados pela violência. Dos títulos em concurso até agora, "As Estações", de Maureen Fazendeiro, sobre o Alentejo, é o trabalho de direção mais lúdico, entre os títulos em concurso já apresentados. O jogo pode virar nesta sexta, com a exibição da nova expressão autoral da badalada diretora Naomi Kawase (de "Esplendor"): "Yakushima's Illusion", com Vicky Krieps.

No sábado, Locarno encerra as atividades com a premiação e a exibição da nova versão (agora musical) de "O Beijo da Mulher Aranha", o livro de Manuel Puig (1932-1990), que inspirou um dos maiores êxitos de Hector Babenco (1946-2016), em 1985. Jennifer Lopez encarna o papel que foi de Sonia Braga. O longa de Bill Condon passa no encerramento do festival, e tem Diego Luna e Tonatiuh nos papéis que foram de Raúl Julia (1940-1994) e William Hurt (1950-2022), que ganhou o Oscar na ocasião.