Marcelo Ikeda: 'É possível fazer cinema mesmo tendo uma equipe de uma única pessoa'
Marcelo Ikeda joga nas onze, nos gramados do cinema independente. Faz filmes; pensa (sobre) filmes (os seus e os de outrem); escreve sobre filmes; leciona... como fazer filmes; e reúne tudo o que filmou na retrospectiva que o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro inaugura nesta quarta-feira. Aos 46 anos, o diretor carioca de Campo Grande, radicado desde 2010 em Fortaleza, onde dá aulas, realizou 54 títulos, entre curtas, longas e videocartas.
Entre os mais potentes (e inquietos) exercícios de sua lavra estão "O Posto (2005), "O Homem Que Virou Armário" (2015) e "Um Assunto Meio Delicado" (2016), que estarão amanhã no CCBB-RJ, às 18h. A mostra é batizada de "Casulo Ao Mar", assim como o livro sobre seu legado, organizado por ele e Arthur Gadelha e publicado pela editora Sulina. Nele estão textos inéditos de autores como Rubens Fabicio Anzolin, Wesley Pereira de Castro, Humberto Silva, Diego Benevides, e republicações de Carlos Alberto Mattos, Luiz Rosemberg Filho e Moacy Cirne.
A maratona Ikeda segue até o próximo dia 18 e termina com a projeção do longa "Em Casa" (2005). Professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Ceará (UFC), o realizador faz uma reflexão sobre as crises políticas em nossas telas.
De que maneira rever seus filmes numa "antologia", numa retrospectiva, é, também, um modo de se rever? Que saudades estão ali?
Marcelo Ikeda: Esses filmes foram realizados ao longo de 25 anos, sendo o primeiro, de 1999. Portanto, é uma trajetória de vida, e ao mesmo tempo o amadurecimento de tendências e de movimentos que revelam uma pesquisa cinematográfica em constante transformação e aperfeiçoamento. Como diria Jonas Mekas, acredito que "Filmar é viver e viver é filmar". Esses filmes mostram meu encantamento diante das possibilidades do mundo ao mesmo tempo que escancaram algumas fragilidades, investigando, de forma poética, minhas angústias e minha solidão.
De que maneira esses filmes afirmam o projeto estético que te estrutura? Que cinema você ambiciona fazer?
Nos quase 50 filmes exibidos nessa mostra, há uma variedade de formatos e modos de produção, desde curtas narrativos de decupagem clássica com atores profissionais até documentários com imagens de arquivo com temas políticos. Ao mesmo tempo, boa parte dessas obras foram concebidas e realizadas exclusivamente por mim, no ambiente doméstico, em diários de viagem ou como videocartas, investigando temas como o tempo e a solidão. Esses filmes mostram que é também possível fazer cinema mesmo tendo uma equipe de uma única pessoa, filmando em sua própria casa. Não é preciso grandes orçamentos, equipamentos vultosos, editais públicos, ou uma equipe numerosa. Há muitas formas de fazer cinema, e me interesso por uma produção minimalista, discreta, serena. Essa produção dialoga de forma íntima com os textos que escrevi sobre o chamado "cinema de garagem" no Brasil a partir dos anos 2000.
Como pensador ativo de políticas audiovisuais, como você avalia os rumos do cinema brasileiro hoje?
Sinto que hoje estamos num impasse. Nunca tivemos tanto dinheiro no cinema brasileiro e, ao mesmo tempo, vejo a maior parte dos filmes sem grande imaginação ou potência. Vejo pessoas querendo simplesmente se inserir nos meios de legitimação, e não questionando suas características de exclusão e privilégio. Falta coragem ao cinema brasileiro de hoje. Sinto falta de maiores debates e de uma aposta mais radical na potência do pensamento crítico. Ao mesmo tempo, nunca antes no Brasil produzimos tantos filmes, dos mais diversos lugares do país, de pessoas das mais diversas trajetórias e origens... Tenho muito interesse e curiosidade pelos cinemas que estão sendo produzidos nos interiores, no chamado Brasil profundo. Talvez algo de novo surja dessa produção. Precisamos de mais tempo para analisar melhor o nosso momento histórico.
Qual foi o primeiro filme nacional que te assombrou a ponto de te gerar o anseio por filmar? Que filme nacional recente mais te atravessou de potência?
Vou citar dois filmes. O primeiro é "Aopção, Ou As Rosas Da Estrada" (1981), de Ozualdo Candeias, e o segundo, "Estética da Solidão" (2001), dos Irmãos Pretti, que me fez entender um cinema possível. Recentemente, cito "Um Minuto É Uma Eternidade Para Quem Está Sofrendo" (2025), de Fábio Rogério e Wesley Pereira de Castro, que vi na última edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, ainda inédito no circuito comercial.
Que projetos de filme você tem para rodar ou que projetos de livro se desenham no ar?
Estou realizando um filme sobre a trajetória artística da bailarina Wilemara Barros, em Fortaleza, provisoriamente intitulado de "Preta Rainha". Quanto aos livros, estou escrevendo há mais de 10 anos um livro intitulado "Economia do Audiovisual", que examina os modelos de negócio, a cadeia produtiva e os segmentos de mercado do setor. Ele já está com 95% do seu conteúdo escrito.
O que a solidão representa na sua obra?
A solidão é uma forma de lidar com um mundo cada vez mais acelerado, competitivo e materialista. Um caminho ético quase oposto à espetacularização de si, como essa necessidade extrema de exposição de uma autoimagem muito própria das redes sociais. Uma forma de conexão cósmica e íntima com os nossos próprios interiores. Um modo de ser, uma forma de vida e um caminho para o autoconhecimento.