João Pedro Zappa: 'Estruturo minha investigação até sintonizar minha frequência na rádio da personagem'

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

João Pedro Zappa, ator

A um só tempo devastador e encantador, qual uma força da natureza, na pele do escritor Paulo Coelho (em seus tempos de compositor) na série "Raul Seixas: Eu Sou", do Globoplay, João Pedro Zappa volta a reafirmar a relevância estética que o biopic (épico biográfico) tem hoje no audiovisual brasileiro. A produção da O2 reverbera os efeitos sonoros de Raulzito (interpretado por Ravel Andrade) em nossa cultura, mas não deixa de lado um de seus parceiros de maior relevo artístico: o autor de "O Alquimista" e "Brida". Ali, Zappa deita e rola. Em 2017, o ator arrebatou o Festival de Cannes à frente de "Gabriel e a Montanha", revivendo a cruzada do economista Gabriel Buchmann, que morreu no Monte Mulanje, no Malaui. Na sequência, interpretou Santos Dumont (1873-1932) em projeto da HBO.

Na entrevista a seguir, Zappa fala sobre o exercício de composição de pessoas reais.

Assim como "Gabriel e a Montanha", "Raul Seixas: Sou Eu" te põe no ambiente da narrativa biográfica. Que desafios existem nesse exercício de "dar vida" a vidas alheias?

João Pedro Zappa: Quando se faz um papel de alguém que existe — vivo ou morto —, o ator já tem um direcionamento concreto do que precisa pesquisar. Vai estudar a vida da personagem, aprender sobre ela. Não tem como fugir disso. Você vai olhar pra tudo o que conseguir encontrar de registros daquela pessoa. Áudios, fotos, vídeos, entrevistas, depoimentos de amigos, estudiosos. No caso do Santos Dumont, como ele viveu em uma época muito distante, o material de vídeo é restrito, mas é um personagem histórico, tem muita informação sobre os acontecimentos de sua vida. O Gabriel não era famoso, mas sua história é recente. Seus amigos e familiares eram acessíveis e voluntariosos. Também tive acesso a muitas fotos. O Paulo Coelho já tem bastante registro de vídeo, como entrevistas e antigas gravações. Eu estruturo a minha investigação no material concreto disponível. Aí, fico vendo, escutando, observando, lendo, absorvendo o máximo, pra interiorizar o jeito de falar, o corpo, os gestos, até me apropriar daquilo. Até sentir que consigo sintonizar minha frequência na rádio daquela personagem, viver as cenas, e depois voltar, que também é importante.

Quem era o Paulo Coelho pra você antes da série e que força existe nele que você encontrou no processo?

Paulo Coelho, para mim, era o fenômeno best-seller brasileiro que, em um momento da sua juventude, tinha sido amigo e parceiro musical do Raul Seixas. Já tinha o meu máximo respeito por tudo o que ele conquistou. E, ao mesmo tempo, o Raul é o meu primeiro grande ídolo, desde criança e sempre. Existe uma certa resistência — que para mim, parte de uma visão meio simplista — de alguns fãs, aos parceiros do Raul. Como se alguém pudesse ter feito algo diferente que salvaria o Raul. Bobagem, mas confesso que nunca tinha parado pra pensar a história do ponto de vista do Paulo, e me colocar em seu lugar foi transformador. Eu pude compreender a magia, a profundidade, a complexidade e a potência desse grande encontro entre Paulete e Raulzito. Um foi muito importante para o outro. E os dois foram muito importantes pra mim. Poder encenar isso tudo com meu grande amigo (e ator magnífico), o Ravel, foi uma festa que celebra esse encontro e eterniza na série. Saio desse trabalho ainda mais fã de Raul Seixas e Paulo Coelho.

De que forma a série, ao falar de música, ampliou ou mudou o seu repertório musical?

Sempre fui fã de Raul. Chego (à série) sabendo todas as músicas de trás pra frente, sem trabalho prévio, só com os muitos anos de repertório de uma vida de idolatria. Ainda assim, aprendi muitas coisas novas com os roteiros, a pesquisa dos diretores e do próprio Ravel e dos preparadores de elenco, além da minha própria sobre o Paulo. Além disso, conheci o Kassin, que assinou a produção musical e trilha da série, e atores músicos, como o Chinaina e o Johnny O'Donnel. Quando se convive com um povo desse, é impossível sair ileso musicalmente, sempre há impacto. Eu sou um cara muito aberto e eclético para a música. Sem música não dá pra viver.

Quais os planos para o segundo semestre? A peça "Aqueles que deixam Omelas", um de seus maiores acertos profissionais nos palcos, vai voltar? O que aquele espetáculo te deu de mais valioso?

Com certeza a gente volta. Meu plano para o segundo semestre é trabalhar, o máximo que eu puder. Minha agenda está aberta — que os deuses da arte me convoquem mais uma vez. Por ora, tenho um filme para fazer no fim do ano e umas datas da peça em São Paulo. Temos essas duas datas (para "Omelas") no fim do ano, em São Paulo, mas planejamos fazer mais uma temporada no Rio. Essa peça marca um retorno ao teatro após seis anos longe dos palcos. Reacendeu a chama teatral, que é a primeira chama de todo ator, e me deu o sabor da autonomia de fazer um projeto do zero, de forma artesanal. É uma parceria especial com meu diretor, o João Maia. A peça é nossa e de quem apostou na gente desde o início.