Caravelas autorais da terrinha no Mubi Fest Rio

Grupo Estação abraça o cinema português com mostra de .docs lusos e com sessão do ótimo 'Grand Tour', do premiado Miguel Gomes, no NET Rio, em Botafogo

Por Rodrigo Fonseca - Especial para o Correio da Manhã

Grand Tour, de Miguel Gomes, se impõe por uma fotografia exuberante em P&B e múltiplas destrezas técnicas

 

Quem passar pelos complexos cinematográficos do Grupo Estação da rua Voluntários da Pátria neste sábado terá a impressão de uma nova embaixada lusitana instalou-se ali. Nas salas 2 e 3 do Estação NET Botafogo, ali no nº 88, pérolas lusas como "A Morte de Uma Cidade", "O Ouro e O Mundo", "Astrakan 79" e "Amo-te Imenso" estarão em cartaz na mostra "Terrinha à Vista". Poucos metros à frente, no caminho para a parai, ali no nº 35 da Voluntários, o Estação NET Rio vai emprestar sua telona para uma projeção (imperdível), às 14h30, de "Grande Tour", iguaria em P&B que rendeu o prêmio de Melhor Direção ao lisboeta Miguel Gomes ao fim do Festival de Cannes de 2024. Sua exibição integra o Mubi Fest Rio de Janeiro, que mobiliza a cidade até domingo com atrações dos mais variados países.

Pelo esplendor visual em preto e branco de sua reconstituição de época e por seu rigor na análise de sanhas burguesas em terras estrangeiras, "Grande Tour" se impõe no Mubi Fest por múltiplas destrezas técnicas que excluem, à primeira vista, a intervenção do acaso na vitória de seu realizador. Crítico de cinema na década de 1990, Gomes vem angariando fãs a cada novo exercício de suas inquietudes artísticas. Sua fortuna profissional vem desde que seu longa de estreia, "A Cara Que Mereces" (2004), tomou festivais na França e na Romênia de assalto, conquistando láureas "em casa", no IndieLisboa. Na sequência, o ensaio documental "Aquele Querido Mês De Agosto" (2008) virou sensação na Semana da Crítica de Cannes, pavimentando sua história de sucesso no balneário francês.

"Eu me sinto familiarizado com outros cineastas, sobretudo os que têm um universo próprio. No caso de 'Grand Tour', percebi que estava construindo a saga de pessoas que falam muito, mas não escutam nada. No fim da montagem, entretanto, extraímos dela outros sentidos", diz Miguel ao Correio da Manhã, em entrevista via Zoom promovida pelo www.mubi.com.

Rodado parcialmente em locações, parcialmente em estúdio, para equacionar a produção em terras asiáticas, "Grand Tour" contou com três diretores de fotografia: Gui Liang, Sayombhu Mukdeeprom e o mestre lusitano da luz Rui Poças. Sua trama se passa em Mianmar (outrora Birmânia), país do sudeste asiático que foi abalado por terremotos no fim de março. O período histórico em que Miguel finca bandeira é 1918, logo após o fim da I Guerra Mundial, ainda com fantasmas coloniais pela Ásia. Ambienta sua jornada em Rangum (ou Yangon), que, àquela época, era uma cidade sob o domínio colonial britânico. Um de seus personagens centrais, o funcionário público Edward (Gonçalo Waddinton), vai parar lá após abandonar sua noiva, Molly (Crista Alfaiate) no dia em que iriam se casar. Tomado pela melancolia, ele foge das bodas num local distante do Velho Mundo, cercado de outros paradigmas culturais. Determinada a casar, Molly segue o rastro do noivo. Mergulha num mundo que não é o seu, de códigos avessos aos seus. Lá, a jovem se apaixona por si e encontra novas alegrias para rir - do seu modo peculiar.

"Meu interesse não era fazer uma reconstituição histórica, mas, sim, mostrar pessoas perdidas no tempo e no espaço", diz Miguel.

Num material promocional para a Cinemateca Portuguesa, ele explicou que a gênese do longa vem de um livro de viagens publicado pelo escritor inglês W. Somerset Maugham (1874-1965) em 1935: "A Gentleman in the Parlour". "Esse filme opera todo o tempo com oposições, que se desenham a partir do ponto de vista com que se olha para aquele território", diz Miguel, que abordou a colonização empreendida por Portugal em "Tabu", sensação da Berlinale de 2012, que saiu de lá com o (hoje extinto) troféu Alfred Bauer (dado a experimentações de linguagem) e o Prêmio da Crítica.

Neste domingo, o Mubi Fest promete arrebatar o Rio com o norueguês "Sentimental Value", que garantiu o Grande Prêmio do Júri de Cannes deste ano para Joachim Trier, dado a ele um status de potencial concorrente ao Oscar. Na trama, a atriz Nora Borg (Renate Reinsve) precisa lidar com um projeto cinematográfico ligado ao suicídio de sua mãe, rodado por seu sumido pai, o cineasta Gustav (Stellan Skarsgård). A sessão será às 21h20.