'Coágulo', terror queer com vampiro avesso à homofobia
,Curta é a nova experiência no formato do imparável Hsu Chien Hsin
Se você passar por algum cinema do Rio de Janeiro e ouvir alguém gritar "Esse Hsu é doido!", saiba que um dos cineastas mais prolíficos do país - nascido em Taiwan, de família chinesa, e radicado no Catete - está no recinto, onde provavelmente uma iguaria como "Coágulo" (a mais recente expressão autoral dele) estará em vias de ser exibida. O novo filme do realizador sino-carioca conhecido por "Desapega!" (2023) e "Quem Vai Ficar Com Mário?" (2021) pertence a um formato que o circuito exibidor só costuma acolher em festivais: o curta-metragem. Apesar disso - e do oceano de convites que recebe para dirigir estrelas de fama tamanho GG -, Hsu Chien Hsin (pronuncia-se Xú Xien Xin) não arreda pé das pílulas audiovisuais.
Foi um curta, "Pietro", de 2013, que demarcou seu trânsito de assistente de direção (aliás, um dos mais requisitados e respeitados do Brasil) para realizador. Antes de debutar no comando de longas, com "Ninguém Entra, Ninguém Sai" (2017), ele rodou uma penca de títulos com cerca de 15 minutos cada, que singraram o Atlântico, como "Flerte", "Vazio" e "Alegria" entre 2014 e 2015. Muitos celebram a resiliência da comunidade queer numa reação à homofobia e a transfobia. É esse, também, o tema do experimento nas raias do terror, na tradição dos filmes de vampiro, que ele produziu há cerca de uma semana com os atores Fernando Braga e Marcio Rosário, pela Rodapé Filmes, Gorila Cinéfilo e Três Tons Visuais. Como produtores associados entram Carmo Dalla Vechia e Thomas Mehler, tendo o performer Bayard Tonelli no centro de uma narrativa que põe a caretice pra correr.
"O personagem do Carmo é um vampiro que declama versos de Augusto dos Anjos quando ataca suas vítimas. Eu criei o projeto 'Coágulo' para dar visibilidade à terceira idade queer, representada no personagem do Bayard. Ele interpreta um idoso que leva uma vida reclusa na convivência de seu filho homofóbico e, graças à ação de um vampiro, uma espécie de anjo salvador, ele se liberta e passa a viver uma vida intensa de prazer, reinventando-se na sua existência aos 80 anos", diz Hsu, que estará na seleção competitiva do Festival de Gramado, com "Querido Mundo", de Miguel Falabella, a ser exibido em 18 de agosto, na corrida pelo troféu Kikito.
Na trama de "Coágulo", um aspirante a Drácula busca intensificar a experiência sexual de suas vítimas, promovendo uma conexão mais profunda e ampliando a intimidade e o prazer no orgasmo. Marcio Rosário, parte do elenco, é quem mais tem trabalhado em curtas com Hsu. O ator e produtor santista trabalhou com o cineasta em "Bergamota", um thriller que, desde 2023, vai de um festival estrangeiro a outro, contabilizando 102 prêmios.
"Essa parceria com o Hsu, pelo fato de a gente querer fazer filmes diferentes, mesmo sem editais, é muito gratificante, pois já entramos em cerca de 145 festivais, mesmo sem incentivo de patrocinadores. Isso faz com que a gente pense muito mais em filmes globalizados, que possam ter um apelo não somente no Brasil, como em festivais do mundo inteiro. Poder fazer filmes de gêneros como o terror, num registro queer, pra gente que é fã, é gratificante", diz Rosário, que já trabalhou com Guillermo Arriaga, David Fincher e Terrence Malick.
A sanha de Hsu com curtas é inspirada em uma entrevista do diretor americano Steven Soderbergh, ganhador da Palma de Ouro de Cannes de 1989 com "sexo, mentiras e videotape".
"O Soderberg dizia que ele dirigia filmes blockbusters para ganhar dinheiro e poder bancar seus projetos autorais. O curta, para mim, é isso: um excelente formato para experimentar narrativas e linguagens, testando gêneros que eu não tive chance ainda de colocar em prática nos longas, pois trabalho muito como diretor contratado. Nos curtas, eu tenho total autonomia de experimentar e desenvolver ideias, escalar elenco e equipe com quem desejo trabalhar", diz Hsu, que se prepara para filmar a comédia musical "Falsianne", com produção da 34 Filmes, a ser rodada em Brasília. "Estou finalizando também 'A Banda', que filmei em Porto Alegre, pela Panda Filmes, além de finalizar 'Os Emergentes', uma sátira social irreverente sobre a luta de classes, com grande elenco".