Aldo Baldin, o rouxinol de Urussanga
Documentário resgata o legado de sucesso do cantor lírico catarinense que fez da música clássica um aríete para desbravar os palcos do mundo
Cálculos do IBGE atestam que Urussanga, em Santa Catarina, ocupa uma área de 254,9 km² - a cerca de duas horas e 15 minutos, de carro, de Florianópolis - na qual vivem 21.395 pessoas, tendo como parte essencial de seu patrimônio o canto de Aldo Baldin (1945-1994). Na web, é fácil encontrar uma performance do tenor catarinense, gravada em 1987, testando a extensão (e ponha extensão nisso!) de sua voz, a serviço de Bach. No YouTube, encontra-se um LP dele, acompanhado pelo pianista Paul Dan, a passear por Schubert, Brahms e Strauss.
A trajetória do cantor lírico brasileiro na cena musical europeia, sobretudo na Alemanha, vai mobilizar as salas de cinema do país a partir deste fim de semana, com a estreia de uma investigação documental perpetrada pelo jornalista e cineasta Yves Goulart, também urussanguense.
Com o delicado "Aldo Baldin, Uma Vida Pela Música", Yves já rodou cerca de 20 festivais pelo mundo, a levar o cidadão Ilustre de sua terra natal para o centro de um debate sobre música e inclusão pelas vias da cultura. "A inteligência musical de Aldo Baldin era a sua marca e todos falam sobre isso. Ele conseguia dominar todos os estilos com facilidade", explica o realizador. "O arrebatamento está justamente no trabalho dele, em cem discos gravados. Foi o único brasileiro que trabalhou com os mais importantes maestros, como: Herbert von Karajan, Sir Neville Marriner, Helmuth Rilling e Karl Richter. É um entourage seletivo de profissionais a que poucos tiveram acesso. O filme traz justamente esses depoimentos orgânicos e sinceros, feitos por colegas e profissionais da área que reconhecem Aldo Baldin".
Estima-se que o maior presente de Aldo à sua cidade foi a gravação publicada em 1987 pela Kuarup Discos: o LP 'Heitor Villa-Lobos - Serestas, Bachianas & Canções'. Na capa, estão Aldo Baldin e a Igreja Matriz de Urussanga.
"Na época, esse LP foi finalizado com doações da comunidade urussanguense. A viúva do cantor, a violinista Irene Flesch Baldin, confessou que o desejo de Aldo era também gravar um disco com canções populares italianas para sua cidade, mas, infelizmente, não deu tempo", explica Yves. "Um curador de um festival de cinema de Nova York escreveu: 'Apesar de sua morte prematura, aos 49 anos, não há dúvidas de que a própria vida de Aldo Baldin foi a ópera mais incrível da qual ele participou".
Diretor de "Villa-Lobos por uma Soprano" (2011) e "Francisco de Assis: Uma Lição de Vida" (2014), Yves vive entre Brasil e Nova York há quase duas décadas e descobriu Baldin em 2009, quando uma amiga apresentou a ele o LP com referência a Urussanga.
"Cada pessoa que nós entrevistávamos para o filme me levava a vários Aldos Baldins: o pai, o amigo, o professor, o tenor, o filho e o artista em busca de seu reconhecimento. Aldo era extremamente tenaz em tudo que fazia. Era um verdadeiro capricorniano. A base de pesquisa para o filme foi jornalística, mas a finalização foi cinematográfica", diz Yves, lembrando que Aldo dominava Mozart, Bach, Rossini, Verdi, Mahler, Villa-Lobos, Claudio Santoro.
Quando chegou à casa de Irene, em junho de 2012, para gravar entrevistas, o diretor ganhou da companheira de Aldo três fitas cassetes gravadas por seu finado marido, alguns dias antes de ele morrer. Nos K-7s, ele narra em primeira pessoa sua trajetória desde a infância, andando descalço com frio de zero grau para ir à escola primária. Nesses áudios, ele fala ainda de sua estreia na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) e relembra sua chegada ao Rio de Janeiro, morando em uma pensão na Lapa, cantando em casamentos para sobreviver. Entre as recordações, estão a conquista de uma bolsa de estudos na Alemanha e a chance de cantar com grandes maestros, como Herbert von Karajan, no Vaticano, na Missa da Coroação de Mozart. Essa gravação serve de espinha dorsal ao filme.
"O que está nas telas é um Aldo Baldin honesto, sincero e humilde, no contrapondo de sua tenacidade, persistência e resiliência. O legado do Aldo, além das suas gravações, está também na coragem dele em enfrentar sua vida artística, em enfrentar seus fantasmas", diz Yves, explicando que fez um "documentário operístico" em 8 atos. "Foi uma escolha de linguagem".
Algumas das gravações de Aldo podem ser encontradas em CDs e LPs à venda na Internet, e pouco a pouco, estão sendo republicadas no Spotify por importantes selos e gravadoras com os quais ele trabalhou durante a sua carreira. A circulação do filme "Aldo Baldin - Uma Vida pela Música" em eventos nos EUA (em Miami e NY) ampliou o interesse pelo artista.