'O Agente Secreto' em rota para Lima

Festival peruano, considerado um dos mais prestigiosos da América Latina, é o próximo passo da consagração internacional do thriller de Kleber Mendonça Filho

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Wagner Moura é um dos trunfos internacionais em favor da escolha de 'O Agente Secreto'

 

Respeitado há quase três décadas como uma das mais ousadas de trincheiras estéticas da América Latina na preservação e na promoção das invenções audiovisuais, o Festival de Lima, no Peru, é um dos pousos mais estratégicos no voo rasante de "O Agente Secreto" pelas telas internacionais. Agendado de 7 a 16 de agosto, o evento incluiu o thriller de Kleber Mendonça Filho em sua competição latina de longas-metragens, ao lado de outros dois títulos nacionais de peso: "Suçuarana", de Clarissa Campolina e Sérgio Borges, e "O Último Azul", de Gabriel Mascaro.

Após consagradora passagem por Cannes, em maio, quando nasceu para os olhos do mundo, a produção vinda lá do Recife, com o baiano Wagner Moura no papel central já disputou láureas em Sydney e em Jerusalém, onde ganhou o Prêmio de Melhor Filme. Ainda em agosto, bate ponto no TIFF, em Toronto, no Canadá, que é considerado um carimbo para os olheiros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood aquela que concede o Oscar. No Brasil, a estreia está agendada para 6 de novembro, com uma promessa de sessões em setembro e outubro pelo país adentro.

Maior promessa de fartas bilheterias para o cinema brasileiro daqui até o fim do ano, "O Agente Secreto" saiu da briga pela Palma de Ouro de Cannes com quatro prêmios. O júri oficial concedeu a ele os troféus de Melhor Direção e de Melhor Ator, dado a Wagner. Houve ainda o Prêmio da Crítica, concedido pela Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica, e o Prêmio da Associação de Exibidores de Filmes de Arte e Ensaio. Lima pode ampliar seu placar em outras línguas. Lá, ele concorre com joias como o colombiano "Un Poeta" e o chileno "La Misteriosa Mirada Del Flamenco", ambos laureados na Croisette, na seção Un Certain Regard.

Na projeção de "O Agente Secreto" em Cannes, houve um aplauso frenético, de cinco minutos, ao subir dos créditos, e outro de oito minutos, no acender das luzes. Margareth Menezes, Ministra da Cultura da atual Era Lula, era uma das entusiastas de um filme que jorra tensão nas veias. A destreza de Kleber no trato com a cartilha do suspense e do cinema de espionagem (digo de "Três Dias Do Condor") é notável. Wagner, protagonista da fita em luminosa forma, atua nas raias do minimalismo.

"Queria fazer um filme nos anos 1970 como exercício histórico, partindo de uns detalhes que brotam do coração. Eu tinha nove anos em 1977, quando a trama se passa", disse Kleber nuna coletiva de imprensa improvisada ao fim da gala de "O Agente Secreto", que lotou os 2,3 mil lugares da sala Grand Théâtre Lumière, no Palais des Festivals de Cannes. "A reconstituição do passado tem asperezas, que eu aqui misturei com ideias que iam aparecendo ao longo da escrita. O ponto de partida foi uma notícia de um jornal australiano que falava de uma perna encontrada no ventre de um tubarão".

Essa premissa traz à tona a lembrança de "Veludo Azul" (1986), de David Lynch, em que um turbilhão de eventos se deflagra a partir de uma orelha encontrada num jardim. No caso de "O Agente Secreto", há a tal perna, que mobiliza policiais num tempo de forte repressão, que é demarcado na delicada direção de arte de Thales Junqueira pela presença de retratos dos generais dos Anos de Chumbo nas paredes. Não se fala do governo de farda verde oliva explicitamente. O que mobiliza o personagem de Wagner é um cerco de matadores

Produzido por Emilie Lesclaux, "O Agente Secreto" carrega um signo uterino ao narrar a busca de Marcelo (Wagner) por algum registro de sua mãe. Ele é um cientista, responsável por um laboratório numa universidade pública de Pernambuco que pesquisa energia. Ao desagradar um representante da indústria com ligações com a Eletrobras, ele passa a ser perseguido, sob a jura de morte. Chega ao ponto se abrigar numa pensão que é definida como um lar para refugiados. Mesmo nessa condição, ele almeja sair do país com seu filho pequeno, ajudado pelo sogro projecionista (Carlos Francisco) e por uma célula de resistência ao Poder instaurado, que tem a misteriosa Elsa (Maria Fernanda Cândido) como operativa.

Acerca das demais atrações do Festival de Lima, concorrem na competição de documentários peruana três produções da Argentina - "El Príncipe De Nanawa", de Clarisa Navas; "Suerte de Pinos", de Lorena Muñoz; "Una Sombra Oscilante", de Celeste Rojas Mugica -, uma da Colômbia - "Alma Del Desierto", De Mónica Taboada-Tapia -, uma de Cuba - "Al Oeste, En Zapata", de David Bim; dois longas do México - "La Libertad De Fierro", de Santiago Esteinou, e "Niñxs", de Kani Lapuerta -, e o paraguaio "Sob as Bandeiras, O Sol", de Juanjo Pereira. Entram ainda no certame de Lima três pratas da casa, representantes das investigações audiovisuais do Peru: "Runa Simi", de Augusto Zegarra; "A Memória das Mariposas", de Tatiana Fuentes Sadowski; e "Vino La Noche", de Paolo Tizón.

As primeiras exibições de "O Agente Secreto" no Brasil já têm data e local: Recife, terra natal de Kleber, no dia 10 de setembro.