Jean Thomas Bernardini: 'Um país sem cultura está morto'
Ganhador do Urso de Ouro na Berlinale, o drama romântico norueguês "Dreams (sex Love)" se mantém no Rio com uma sessão, às 17h30, no Estação NET Botafogo, em um reconhecimento do esforço hercúleo da distribuidora Imovision para manter o circuito brasileiro sintonizado com as ondas autorais de maior impacto do cinema internacional. É essa a missão que o francês Jean Thomas Bernardini assumiu para si quando adotou este país como lar e base de suas operações, nos anos 1990.
Egresso de Marselha, com formação em Psicologia, Bernardini firmou-se como um dos mais audazes distribuidores da América do Sul ao apostar na produção independente do Velho Mundo e de diferentes polos do Ásia e da África. Abriu salas, em São Paulo e em Niterói, na rede Reserva. O nome dela batizou seu streaming, o Reserva Imovision, hoje coalhado de atrações. Este ano, ainda realizou uma mostra responsável por trazer medalhões da direção (Audrey Diwan e Tom Tykwer, por exemplo) ao país, chamada Festival Europeu Imovision. "Monsieur Aznavour", lançado na semana passada, integrou esse evento.
Num papo durante o 3º Bonito Cine Sur, no Mato Grosso do Sul, o distribuidor contou para o Correio da Manhã que já está de olho em certos títulos indicados ao Leão de Ouro de Veneza. De Cannes, ele trará "Amrum", de Fatih Akin; "Mirror nº 3", de Christian Petzold; e "La Misteroiosa Mirada Del Flamenco", que ganhou o Prix Um Certain Regard. No papo a seguir, seu olhar sobre nossas telas se desenha.
Depois de toda a promoção que você fez de grandes vozes autorais com o Festival de Cinema Europeu, em abril, incluindo a projeção do Urso de Ouro de 2025, "Dreams (Sex Love)", seu rol de lançamentos assegurou para o Brasil muitos dos títulos premiados em Cannes. Quando eles começam a chegar por aqui?
Jean Thomas Bernardini: Temos festivais vindo aí (o do Rio e a Mostra de SP) que os querem, mas esses filmes ficam para o ano que vem. Eu não tenho uma média anual de lançamentos fechada, mas tenho um catálogo grande e já penso em fazer alguns lançamentos centrados na nossa plataforma, que está crescendo muito. Tem público em todo lugar para o que eu lanço. Não tem sala para tudo, mas tem gente interessada. A questão é como fazer esses filmes serem vistos, sobretudo num momento em que até a imprensa limita espaço a eles. É preciso criar costume para eles num mercado em transformação, mas todo tomado por blockbusters. Não se pode viver só de "Superman". Um país sem cultura está morto.
Vários filmes do iraniano Jafar Panahi, que ganhou a Palma de Ouro deste ano com "Um Simples Acidente", estão hoje no Reserva Imovision. "Balão Branco" (1995), primeiro êxito dele, estava na sua carteira de lançamentos na gênese da Imovision. Como sua linha de distribuição começou?
Quando "Balão Branco" teve sua primeira sessão para compradores, eu assisti a uma sessão dele, ao lado de um amigo que, com 20 minutos de sessão, cutucou meu braço e disse "Vamos embora!". Ele ficou maluco quando contei que havia comprado o filme para o Brasil e disse "Como é que você investe num filme que se resume a uma garotinha andando de um lado para o outro com um balão?". Eu acreditei na força daquilo, lancei e vi aquele longa-metragem somar cerca de 180 mil pagantes em circuito brasileiro só com três cópias em 35mm. Mesmo quando elas estavam todas riscadas, muitos exibidores as queriam, dizendo que o filme funcionava. Por isso, o cinema iraniano está sempre no meu escopo. Ele não sai de moda. Não é à toa que o maior sucesso da Imovision no primeiro semestre, "Meu Bolo Favorito", veio de lá.
Há tempos, você é encarado como um embaixador cinematográfico da França no Brasil. De que maneira se dá a sua relação com o cinema francês?
Eu não trabalho com fronteiras, trabalho com filmes bons. O filme é que me interessa. Acontece que a França, faz tempo, livrou-se do estigma de fazer filmes onde se fala sem parar, e nada acontece, por meio de narrativas ousadas. A ousadia francesa tem sido constante. François Ozon, por exemplo, é um dos diretores franceses que sempre dá certo aqui. O cinema que vem de lá e faz mais sucesso aqui dificilmente ultrapassa a marca dos 300 mil ingressos vendidos. Fica em 200 mil, 250 mil.
Você já era um cinéfilo na França? O que trouxe de sua vivência de cinema lá para o Brasil?
Eu ainda peguei a época em que a Nouvelle Vague (movimento que modernizou o audiovisual, entre o fim dos anos 1950 e o fim dos 1960) estava entrando em cartaz, numa época em que seus filmes eram blockbusters na França. Trabalhei aqui filmes de Claude Chabrol, de Agnès Varda, do grande Alain Resnais (contemporâneo dessa nova onda), de Godard. Esse, quando lançava um projeto novo, às vezes liberava só um par de linhas acerca do que seria seu filme, sem sinopse, e, ainda assim, eu ia lá e pegava... comprava para lançar.
Você sempre lança os filmes de Lucia Murat, assim como já levou às salas títulos premiados de Laís Bodanzky e de Claudio Assis. Como é a sua relação com o cinema brasileiro?
Eu gosto muito do cinema brasileiro, mas para trabalha-lo bem, eu não posso lançar mais do que quatro ou cinco títulos por ano. Tenho todo um trabalho de promoção para iniciar e desenvolver, tendo que respeitar produtores e diretores.