Emilio Gallo: 'Tenho encantamento quando identifico Cristoem homens comuns'
Realizador dos premiados "Entre Sem Bater" e "Tibira É Gay", Emilio Gallo crê com ardor na potência cinematográfica de Miguel Pereira para se tornar um dos maiores polos criativos não apenas do Estado do Rio de Janeiro, mas de todo o país. A cidade ofereceu ao documentarista uma história daquelas que só os clássicos de Franco Zeffirelli no "Supercine" traziam igual: a cruzada do padre italiano Giancarlo Colombo para dar teto e acolhimento a crianças de rua, em 1960. Os relatos que ele colheu estão se transformando no .doc "Colombo, Um Oceano Entre Nós".
É uma saga sobre caridade que reflete uma geografia talhada historicamente por flertes com o audiovisual. Com vários exercícios autorais no currículo inspirados pela liturgia católica, motivados não por vínculos ideológicos, mas por respeito ao papel altruísta da Igreja, Gallo explica ao Correio que cresceu num colégio de freiras, que faziam seu alunado assistir, todo domingo, sem exceção ao clássico "Marcelino, Pão e Vinho" (1955), de Ladislao Vajda. "O deslumbre que me causou ver a luz saindo do projetor é uma imagem que guardo até os dias de hoje", diz o produtor e cineasta, que fala de Colombo no papo a seguir.
De que maneira um filme sobre o padre Giancarlo Colombo pode ser, de certa medida, um filme sobre fé, um filme sobre a essência humanista da crença no Cristo da Igreja Católica?
Emilio Gallo - Não consigo associar Cristo a uma determinada religião apenas, até porque, de certa forma, seus ensinamentos são respeitados por praticamente todas as religiões. Tenho certo encantamento quando consigo identificar Cristo na trajetória de homens aparentemente comuns. Veja a história do Padre Colombo. Um sacerdote italiano deixa sua terra natal, em 1930, para chegar - de trem, carroça e lombo de burro - a um distante povoado chamado Santo Antônio da Estiva, atual Miguel Pereira, no interior do Rio de Janeiro, e construir um abrigo para cerca de cem meninas e meninos órfãos, abandonados nas ruas de Copacabana. Cercados de amor e carinho, eles hoje estão na vida, como homens e mulheres descentes - e a maioria muito bem sucedidos. O filme mostra que, desde o século passado, não faltam exemplos para tratar essa questão. Falta é interesse, indignação e compaixão. Então, esse documentário vai além de ser um filme sobre a fé... ou a Igreja. É um filme sobre a força do acolhimento, da compaixão e da esperança contida na história de um homem humilde.
O que Miguel Pereira simboliza como arena criativa para o cinema e como polo audiovisual?
A cidade se modernizou bastante e vem se destacando como um polo turístico forte e consolidado. Tem uma excelente infraestrutura, é tranquila, acolhedora e segura. Ela oferece uma luz única em termos fotográficos e locações espetaculares, principalmente quando se pensa em filmes de época. Ultimamente a cidade tem sido bastante requisitada como cenário de grandes produções, e a criação de uma Film Comission, gestada pelo atual Secretário de Cultura, pode recoloca-la de volta aos trilhos de sua história com o audiovisual.
A trajetória de Miguel Pereira com o cinema vem de muito tempo, não?
Foi lá que, em 1960, foi filmado um dos maiores clássicos do cinema brasileiro, "Assalto ao Trem Pagador", de Roberto Farias, com o grande Luiz Carlos Barreto em sua gênese, que representou o Brasil no Festival de Veneza em 1962. Foi lá também que a primeira mulher a ser eleita prefeita no Estado do Rio de Janeiro, Aristolina Almeida, promoveu, no inicio dos anos 1970, o primeiro Festival do Cinema Nacional, que, no auge da censura, abriu as telas do antigo Cine Império para películas que retratavam a realidade do país. Foi lá também que nosso único diretor a ganhar o Oscar, Walter Salles, filmou seu belíssimo curta "Caju & Castanha". Reza a lenda que Salles, quando buscava um cinema para filmar, deparou-se com o antigo Cine Central, uma salinha de 100 lugares, intacta, mas praticamente abandonado. Comprou o cinema, mandou recuperar tudo, fez o filme e manteve a sala durante bastante tempo.
Que filmes, séries e especiais você fez com foco na religião e o que te levou a esse universo?
Meu primeiro documentário nessa linha foi "Esse Homem Vai Morrer", em que tive como parceira a atriz Dira Paes. Ele fala do Padre Ricardo Resende que integrava uma lista de 14 pessoas marcadas para morrer no sul do Pará. Ganhou mundo e vários prêmios, entre eles duas Margaridas de Prata da CNBB. Na sequência, convidado pela produtora Patrícia Chamon, filmamos quatro longas sobre a história de santos de devoção. O projeto, "Padroeiros do Brasil", aborda a história de São Pedro de Alcantara e Aparecida; depois, São Sebastião. Na sequência, veio "Divino Pai Eterno", e, por último, "Jorge, o Padroeiro Guerreiro", que também deu origem a uma série de cinco episódios. Fizemos juntos também um documentário pelo qual tenho muito carinho, sobre Santo Guido, jovem médico, surfista e seminarista brasileiro, a quem é atribuído diversos milagres, e que, em breve, será canonizado pelo Vaticano. O filme abriu a Jornada Mundial da Juventude, em Portugal, o que nos deu muito orgulho.
O que vem por aí, nessa profissão de fé?
Atualmente, Patrícia e eu estamos produzindo juntos dois documentários: tem esse sobre o Padre Colombo e um outro sobre Fátima e seus devotos, que já filmamos em Portugal, e agora estamos finalizando, filmando no Rio. Estamos produzindo também uma série de 13 episódios chamados "Poder e Fé no Vale do Café", sobre as grandes fazendas da região a partir de suas capelas. O amor pelo próximo é a mensagem que conecta todos esses trabalhos.
Você vem de uma escola singular de formação no audiovisual: a experiência como produtor de reportagem na TV Globo. O que a passagem pelo jornalismo te trouxe de mais valioso?
O jornalismo te ensina a importância de ouvir, entender e respeitar o outro e sua história.