Sexta e sábado, ali pelas 20h30 do horário alemão, o Festival de Munique vai entender o tanto de "fofura" que Cannes enxergou num filme associado a um mito das telas que poderia ser classificado como qualquer coisa, menos "fofo": o suíço Jean-Luc Godard (1930-2022). O tal longa-metragem é "Nouvelle Vague". A direção é de Richard Linklater, um artista cultuado, já indicado a estatuetas de Hollywood por sucessos como a trilogia "Antes do Amanhecer" (1995-2013). Correm por sites especializados em troféus do audiovisual, como "Awards Daily", boatos de que a França fará dele seu representante ao Oscar de 2026, mesmo que seu realizador seja americano.
O francês é a língua dominante na trama e o foco é a cena cultural parisiense de 1959. Nesse contexto, o cineasta por trás do cult "Boyhood" (2014) faz um voo de 360º sobre a História do século XX, pelas vias da cultura cinematográfica, para retratar o set de filmagem de "Acossado" (1960). Foi ali que o crítico Godard passou a dirigir, numa transição profissional que abriu precedentes para uma nova forma de editar imagens, usando a Filosofia como eixo para a construção de planos. No evento germânico, que tem produções brasileiras em diferentes mostras, essa viagem no tempo entrou na Cinemaster Competition, ao lado de "Hard Truths", do britânico Mike Leigh, e de "Promis Le Ciel", da franco-tunisiana Erige Sehiri.
Apoiado num requintado visual em PB, assegurado pelo diretor de fotografia David Chambille, "Nouvelle Vague" ostenta o trabalho de realização mais maduro de Linklater. Ele entrou numa vibe de revisar os feitos de artistas de veia indomável como o compositor Lorenz Hart (1895-1943), personagem central de "Blue Moon", que lançou na Berlinale, em fevereiro, na briga pelo Urso de Ouro. Agora é a vez de Godard. Um Godard moleque ainda, vivido com ironia por Guillaume Marbeck. JLG era sua alcunha na vida cultural do Velho Mundo. A sigla sugere saber.
Aos 29 anos, JLG era um escriba de temperamento ferino da "Cahiers du Cinéma" (revista criada em 1951 e encarada como Bíblia pela intelectualidade cinemeira) quando resolveu rodar seu primeiro longa, para não ficar para trás dos colegas François Truffaut (1932-1984) e Claude Chabrol (1930-2010), interpretados no quindim de Linklater por Adrien Rouyard e Antoine Besson. Os dois, ao lado da belga Agnès Varda (1929-2019), inventaram a tal Nova Onda, o movimento que deu status de modernidade ao cinema francês, ao propor que cada exercício fílmico fosse uma revolução em si, na forma e no conteúdo. A centelha revolucionária de Godard se acende com a ideia de uma história de amor entre uma jovem de classe média metida a jornaleira - figura encarnada por Jean Seberg, que, no longa hoje em disputa em Munique, é encarnada por Zoey Deutch - e um malandro com pinta de gangster - Jean-Paul Belmondo, vivido esplendidamente por Aubry Dullin.
A cada nova tomada, Godard enlouquece a equipe, inflama o mítico fotógrafo Raoul Coutard (Matthieu Penchinat) e tira Seberg da zona de conforto. Munique vai sair de sua projeção encantado.
Por lá, a programação tem valorizado a força criativa do Brasil no écran. A mostra competitiva CineRebels põe dois longas nacionais em disputa, concorrendo também à láurea de júri popular. De um lado está "Uma Baleia Pode Ser Dilacerada Como Uma Escola De Samba", de Marina Meliande e Felipe Bragança, e, do outro, vem "Cyclone", de Flavia Castro, com Luiza Mariani numa atuação que vem encantando plateias estrangeiras. No fim de junho, o desempenho dela foi aplaudido no Festival de Shangai, na China. Na seção International Independents, encontra-se "Suçuarana", de Clarissa Campolina e Sérgio Borges.
Essa programação segue até domingo, quando serão anunciadas as premiações.