O Esquema Benicio (Del Toro)
Aos 58 anos, o ator porto-riquenho, na ativa desde 1987, vive um empresário abilolado numa aventura de tintas cômicas que rendeu uma indicação à Palma de Cannes para o realizador Wes Anderson
Associado faz tempo a um projeto de Oliver Stone (chamado "White Lies") nunca no ponto pra ser rodado, Benicio Del Toro tem parcerias de peso confirmadas em seu caminho este ano, com destaque para o primeiro longa-metragem do ator Jamie Foxx no posto de cineasta: "O Jogo da Rivalidade" ("All-Star Weekend"). A estreia está prevista para o segundo semestre. Na mesma época, em setembro, o ator porto-riquenho de 58 anos dividirá as telas com Leonardo DiCaprio no esperado "Uma Batalha Após A Outra" ("One Battle After Another"), do cultuado diretor Paul Thomas Anderson. Neste fim de semana, entra em circuito nacional a primeira das várias empreitadas autorais às quais o astro está associado: "O Esquema Fenício" ("The Phoenician Scheme").
Indicada à Palma de Ouro do Festival de Cannes, essa hilariante aventura marca um reencontro de Benicio com Wes Anderson, um dos cineastas mais festejados da atualidade, com quem trabalhou em "A Crônica Francesa", em 2021. Wes atualmente é objeto de uma exposição na Cinemateca de Paris. "Não penso muito sobre o meu legado. Num filme como 'O Esquema...', converso muito com Wes, mas as respostas estão todas no roteiro dele", disse Del Toro em Cannes, onde o filme mobilizou holofotes em parte pelo zaralho que Bill Murray (um dos atores fetiches de Wes) tocou na Croisette, com seu jeitão abilolado.
Benicio também foi na onda do colega, esbanjando humor numa coletiva de imprensa em que o Wes explicou ao Correio da Manhã a suntuosidade visual de uma trama sobre os infortúnios no caminho do empresário Zsa-Zsa Korda. "É um papel suculento, por estar cheio de contradições que encontro já formuladas no script", disse Del Toro ao falar de seu personagem, emblemático na fauna de gente excêntrica que Wes filma desde "Três É Demais" ("Rushmore", 1998), com Murray.
Na explicação quedeu ao Correio, o realizador texano destacou a colaboração com a oscarizada figurinista Milena Canonero. "Tem pelo menos uns 23 anos que trabalho junto com ela, que tinha as melhores credenciais. Quando vou jantar com a equipe, não posso levar toda a gente para a mesa. Aí, ela me aparece na janta sempre, todas as noites, e chega cercada pelos onze profissionais que trabalham consigo. Ela força essa turma a trabalhar por horas e horas sem parar. A Milena é assim".
Esse jeitinho peculiar da designer de moda assegura elegância ao vestuário de "O Esquema Fenício" ao narrar o périplo de Zsa Zsa (um grosseirão nato) para forjar laços de afeto com a filha, a freira Liesl (Mia Threapleton), enquanto guerreia contra o irmão que odeia, Nubar (Benedict Cumberbatch), e combate espionagem industrial. Toda hora alguém tenta mata-lo, o que o leva a carregar granadas consigo.
"Benicio é o centro do filme, um ímã", disse Wes na Croisette, de onde "O Esquema Fenício" saiu cravejado de elogios.
Integrante do universo Marvel, nas telonas e na Disney no papel do Colecionador, Benicio foi tentar a sorte na indústria americana em 1987, na série "Miami Vice", mas demorou a receber papéis em cults como "Os Suspeitos" (1995) e "Basquiat" (1996). Em 2001, ganhou o Urso de Prata da Berlinale por sua interpretação em "Traffic", sucesso que lhe rendeu o Oscar de Ator Coadjuvante. Em 2008, foi a vez de Cannes reverenciá-lo com a láurea de Melhor Atuação por "Che", dada com unanimidade por um júri chefiado por Sean Penn.
"O maior desafio nesse trabalho não passava apenas por questões políticas, mas pelo esforço de mostrar a humanidade de um ícone", disse Del Toro ao Correio à época num papo que voltou a retomar em 2021, quando participou de "Nenhum Passo Em Falso", exibido no Festival de Tribeca.
Foi seu trabalho de maior prestígio nos últimos anos, ao lado de um elenco estelar (Don Cheadle, Ray Liotta, Brandon Fraser), sob a direção de seu recorrente parceiro de set, Steven Soderberg, centrado numa trama de assalto, na Detroit dos anos 1950.
"Falava-se muito de 'O Grande Golpe', de Kubrick, nas filmagens por estarmos em um ambiente criminal dos anos 1950 e de gangsters", disse Benicio via zoom ao Correio. "É um elenco enorme onde todos combinamos nossas habilidades e talentos. Esse é o tipo de cinema que me instiga: aquele que combina talentos e paixões".
Em 2008, Benicio veio ao Brasil para a exibição de "Che" na Mostra de São Paulo e falou com respeito de seu carinho pelo cinema autoral latino. "Estamos sempre desafiando contradições sociais", disse, na ocasião.
Em 2010, ele integrou um time de jurados liderado por Tim Burton na escolha da Palma de Ouro de Cannes (entregue, naquela data, ao tailandês Apichatpong Weerasethakul) e, em 2018, presidiu o júri da seção Un Certain Regard. Na ocasião, ele explicou: "Ao analisar a violência nas Américas, eu tenho uma crença de que a justiça pode prevalecer quando é respaldada pela lei e pelo desejo de ordem social", disse Benicio. "Mas não é sempre que isso acontece. A arte é uma forma de buscarmos soluções".