Pinceladas de Kelly Reichardt
Famosa por sua luta contra o sexismo, a cineasta americana será a última concorrente a passar pela briga por prêmios na Croisette este ano
Por Rodrigo Fonseca
Especial para o Correio da Manhã
Depois de dez dias de experiências cinematográficas movidas pelas pautas mais urgentes do planeta na atualidade, a briga pela Palma de Ouro de 2025 chega ao fim nesta sexta-feira com uma história sobre ladrões pilotada por um signo das lutas feministas no audiovisual: é Kelly Reichardt quem vai encerrar a seleção competitiva de 2025. Com "The Mastermind", ela viaja até os anos 1970, para narrar a história de um desempregado (Josh O'Connor) que encontra no roubo de obras de arte seu novo ganha-pão.
Seu exercício autoral mais recente, "Showing Up" (2022) chegou ao Brasil faz pouco, via streaming, no Telecine e na Amazon Prime, traduzido como "Esculturas da Vida". A inclusão dele na lista dos 10 Melhores Filmes da prestigiada revista "Cahiers du Cinéma", em enquete recente, prova o cacife da diretora.
Atriz assinatura dela, Michelle Williams se destaca em "Showing Up" vivendo uma escultora que se prepara para uma nova exposição em meio a uma fase de caos pessoal e profissional.
"É uma radiografia da cena criativa das artes plásticas nos EUA, entendendo como as subjetividades se comportam num momento de tensão", disse Kelly ao Correio da Manhã em Cannes, onde recebeu o troféu honorário Carroça de Ouro, pelo conjunto de sua obra e de sua luta antissexismo.
A láurea foi criada em 2002, como um estímulo à produção autoral no cinema, e já foi confiada a uma série de talentos como Clint Eastwood, Nanni Moretti, Ousmane Sembène, David Cronenberg, Jim Jarmusch, Naomi Kawase, Agnès Varda, Jafar Panahi, Jane Campion, Jia Zhangke, Souleymane Cissé, Martin Scorsese, John Carpenter e o documentarista Frederick Wiseman. Este ano, ela foi para Todd Haynes, que é amigo pessoal de Kelly.
Estrela da cena indie dos Estados Unidos, respeitada por longas-metragens como "Movimentos Noturnos" (produzido pelo brasileiro Rodrigo Teixeira, em 2013), a realizadora que volta agora com "The Mastermind", nasceu em Miami, há 56 anos. Ela foi jurada em Cannes, em 2019, onde criou controvérsias ao questionar o culto à virilidade expressa em "Era Uma Vez Em Hollywood". Ela atacou as cenas de Brad Pitt subindo um telhado sem camisa e se declarou contrária a representações que objetifiquem corpos. Naquele mesmo ano, lançou seu filme mais badalado até aqui: "First Cow", indicado ao Urso de Ouro de Berlim, em 2020.
Antes de "Showing Up", ela e Michelle Williams fizeram "Wendy & Lucy" (2008) e "Certas Mulheres" (2016). "Cresci num ambiente distante da badalação midiática de Los Angeles. Por não vir de uma cidade mais central, aprendi o pensamento de ser periférica aos discursos oficiais", disse Kelly ao Correio.
Coroada com o Prêmio Tigre, do Festival de Roterdã, em 2006, por "Antiga Alegria", Kelly é respeitada também por seu trabalho como montadora. Foi ela que editou "First Cow", lançado aqui via MUBI. Trata-se de um faroeste sem bangue-bangue: o imigrante chinês King-lu (Orion Lee) trava uma relação de trabalho e amizade com o comerciante de peles Cookie (John Magaro). Os dois passam a fazer um exótico bolinho usando o leite roubado da vaca de um inglês rico (Tony Jones). Esse roubo vai colocar a dupla em apuros.
"Sou responsável pela montagem desse filme, sempre buscando imagens que contemplem a natureza e que demarquem o mundo menos urbanizado onde estamos instaurados. Edito meus longas-metragens sempre atenta à força de imagens que desafiem lugares comuns", disse a diretora. "A mitologia calcada em pistoleiros passa pela História dos EUA de uma maneira submissa à violência, que sempre precisa ser desconstruída. É necessário revermos os personagens que construíram nosso passado".