Kevin Smith: 'A indústria não tem mais necessidade de mim'
Ícone supremo da nerdice, celebrizado no misto de malandro e super-herói Silent Bob, o cineasta Kevin Smith foi um guri para os meninos de óculos fãs de gibi dos anos 1990, quando "O Balconista" virou uma sensação no Festival de Sundance. O fenômeno "Procura-se Amy" (1997), com um pé na cultura queer, deu a ele um status de provocador, que o fez evoluir como ditetor ao mesmo tempo que idealizava HQs para editoras como a DC, vide "Quiver - O Espírito da Flecha", com o Arqueiro Verde.
Foi com "Dogma", no Festival de Cannes de 1999, que ele chegou ao patamar das promessas do cinema indie americano do fim do milênio. Até Alanis Morissette participa dessa investigação sobre a arte de crer... no Altíssimo... na qual Matt Damon e Ben Affleck viviam anjos de índole má.
Fracassos comerciais e empreitadas interrompidas, entre elas um filme do Homem de Aço com Nicolas Cage, tiraram Kevin do eixo, mas não arrancaram dele a aura de guri nerd. É com esse espírito que ele volta a atrair holofotes, na Croisette, com o regresso de "Dogma" na mostra Cannes Classics. Nesta entrevista, ele explica ao Correio da Manhã o que mudou na mirada pop do audiovisual.
O que significa voltar a ver "Dogma" em Cannes?
Kevin Smith: Estou trabalhando numa continuação dele, para rodar no ano que vem, com todo mundo do elenco original que está vivo. Ficam faltando Alan Rickman e George Carlin, que nos deixaram. Essa turma estava no filme de 1999, e que passou aqui meses antes de estrear nos EUA. Eu pensei que nunca voltaria ao balneário francês depois da última passagem pela Croisette, em 2006, com "O Balconista 2", quando minha filha ainda estava na barriga da minha mulher. Ela já é uma moça agora e o longa volta não só aqui no Cannes Classics como vai reestrear. Na época dele, no fim dos anos 1990, houve uma controvérsia que não condizia em nada com o que eu havia feito. O fato de eu falar de Deus gerou confusão. Não é "A Última Tentação de Cristo" nem "A Vida de Brian" do Monty Python. A indústria não tem mais necessidade de mim. Só que eu tenho um fã-clube e essa turma é nostálgica.
Você lançou "Dogma" numa fase de euforia criativa plena do cinema independente americano dos anos 1990. O que significava ser indie?
A gente chamava de indie o que não podia ser feito em estudio. Agora, o que corresponderia a isso vai pro streaming. Agora, com os meios digitais, todo mundo tem voz, tem um canal. O problema é que ideias que deveriam ser filmes viram séries. A outra questão: os dilemas de financiamento de antes seguem por aí, iguais.
Como é ver Matt Damon e Ben Afflck ainda jovens em "Dogma"?
Eu ainda acho que Affleck vive dá o seu melhor quando filma comigo. Ele fala meus diálogos como ninguém. Eu ofereci o projeto "Procura-se Amy" a ele, em 1996. Ele ficou de ler numa viagem de trem e perguntou se eu tinha algo mais. Mostrei o script de "Dogma" a ele, que então se chamava "God". Ele leu os dois juntos. Perguntei se faria "Amy" e ele: "É legal essa comédia sobre uma mulher lésbica e dois amigos, mas o lance de Deus... esse me chapou". Era o "Dogma". Matt foi filmar "O Homem Que Fazia Chover" com Francis Ford Coppola naquela época. A gente achou o maximo. O Coppola! Era tudo! E ele era a alma daquele filme.
O que foi feito da versão de Superman com Nicolas Cage que você ficou de dirigir nos anos 1990 e nunca saiu do papel?
No filme "Flash", há uma alusão bem divertida a ela, na menção a um combate contra aranhas gigantes, que, aliás nem era ideia minha. Eu volto a essa história sempre pois virou folclore, mas faz parte daqueles filmes que viraram lenda sem terem sido feitos.
O que você planeja para os proximos meses além da reestreia de "Dogma"?
Tenho um projeto na linha de "Tubarão" cujo cartaz, em vez de mandíbulas de um monstro marinho, traz o chifre de um alce. Chama "Moose Jaws".