Cannes ovaciona 'O Agente Secreto', de Kleber Mendonça Filho, ambientado na Recife dos anos 1970

Thriller político de Kleber Mendonça Filho ambientado na Recife dos anos 1970 é forte candidato a prêmios no festival francês

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Ao som do frevo, o elenco atravessa o tapete vermelho de Cannes

Duas salvas de palmas, cronometradas pelo Correio da Manhã, acolheram a passagem de "O Agente Secreto" pelo 78º Festival de Cannes, neste domingo, na estreia do eletizante thirller de Kleber Mendonça Filho na briga pela Palma de Ouro. Teve um aplauso frenético ao subir dos créditos, de cinco minutos, e outro de oito minutos, no acender das luzes. Margareth Menezes, Ministra da Cultura da atual Era Lula, era uma das entusiastas de um filme que jorra tensão nas veias. A destreza de Kleber no trato com a cartilha do suspense e do cinema de espionagem (digo de "Três Dias Do Condor") é notável e pode dar a ele a láurea de Melhor Direção. Wagner Moura, protagonista da fita em luminosa forma, atua nas raias do minimalismo.

Victor Juca/Divulgação - Wagner Moura em 'O Agente Secreto', uma trama misteriosa ambientada em Recife nos anos 1970 e que representa o Brasil na disputa da Palma de Ouro

"Queria fazer um filme nos anos 1970 como exercício histórico, partindo de uns detalhes que brotam do coração. Eu tinha nove anos em 1977, quando a trama se passa", disse Kleber nuna coletiva de imprensa improvisada ao fim da gala de "O Agente Secreto", que lotou os 2,3 mil lugares da sala Grand Théâtre Lumière, no Palais des Festivals de Cannes. "A reconstituiçã do passado tem asperezas, que eu aqui misturei com ideias que iam aparecendo ao longo da escrita. O ponto de partida foi uma notícia de um jornal australiano que falava de uma perna encontrada no ventre de um tubarão".

Essa premissa traz à tona a lembrança de "Veludo Azul" (1986), de David Lynch, em que um turbilhão de eventos se deflagra a partir de uma orelha encontrada num jardim. No caso de "O Agente Secreto", há a tal perna, que mobiliza policiais num tempo de forte repressão, que é demarcado na delicada direção de arte de Thales Junqueira pela presença de retratos dos generais dos Anos de Chumbo nas paredes. Não se fala do governo de farda verde oliva explicitamente. O que mobiliza o personagem de Wagner é um cerco de matadores que ferve em temperatura máxima.

"Estou aprendendo ainda sobre o filme que eu fiz. Acreditava que era a minha história mais masculina, mas vejo que ela tem uma participação forte de mulheres", diz Kleber ao Correio, numa indagação sobre maternidade.

Pai de dois meninos, frutos de sua união com sua companheira de vida e obra, a produtora Emilie Lesclaux, Kleber perfuma "O Agente Secreto" com o signo uterino ao narrar a busca de Marcelo (Wagner) por algum registro de sua mãe. Ele é um cientista, responsável por um laboratório numa universidade pública de Pernambuco que pesquisa energia. Ao desagradar um representante da indústria com ligações com a Eletrobras, ele passa a ser perseguido, sob a jura de morte. Chega ao ponto se abrigar numa pensão que é definida como um lar para refugiados. Mesmo nessa condição, ele almeja sair do país com seu filho pequeno, ajudado pelo sogro projecionosta (Carlos Franscisco) e por uma célula de resistência ao Poder instaurado, que tem a misteriosa Elsa (Maria Fernanda Cândido) como operativa.

MinC/Divulgação - Kleber Mendonça Filho e a comitiva de 'O Agente Secreto' posa para fotos nos bastidores do Festival de Cannes

Apostando num ritmo mais febril do que de "Bacurau" (Prêmio do Júri em Cannes em 2019), a edição estruturada pelos montadores Eduardo Serrano e Matheus Farias desafia as CNTPs do cinema nacional num frenesi de fugas e de paranoia. No elenco, Kairony Venâncio é um achado no segmento dos perseguidores de Marcelo.

O Festival de Cannes termina no sábado (24), com a premiação. "O Agente Secreto" tem tudo para estar lá. É um memorável estudo da nossa burocracia e de rancos coronelistas.