'O Último Azul': concorrente brasileiro ao Urso de Ouro é ovacionado com um urro na projeção na Berlinale
Uma ovação em forma de urro contagiou a Berlinale Palast na manhã deste domingo debaixo de dois graus de frio ao fim da projeção de "O Último Azul", do pernambucano Gabriel Mascaro, na luta pelo Urso de Ouro de 2025.
Uma ovação em forma de urro contagiou a Berlinale Palast na manhã deste domingo debaixo de dois graus de frio ao fim da projeção de “O Último Azul”, do pernambucano Gabriel Mascaro, na luta pelo Urso de Ouro de 2025. Nada do que se viu desde a abertura do evento (quinta passada) para cá, no rol da seleção competitiva bate de frente com a destreza do realizador de “Divino Amor” (2019) ao guiar a câmera pelas paisagens da Amazônia, driblando os clichês na representação da floresta.
“Depois do governo Bolsonaro, o Brasil começou de novo a pulsar para o mundo e sair da atrofia”, disse Mascaro na coletiva de imprensa do longa-metragem, que teve apoio do México, do Chile e da Holanda, e conta com a força da natureza Denise Weinberg em seu elenco.
Mascaro chegou ao certame alemão com “O Último Azul” cheio de prestígio. Papou o Prêmio do Júri dos Horizontes de Veneza, há dez anos, com “Boi Neon”, que também levou o troféu de melhor filme no Festival do Rio de 2015. Ele esteve na Berlinale antes com o já citado “Divino Amor”, que passou ainda nas telas de Sundance. O que exibiu na Alemanha neste 16 de fevereiro condensa elementos temáticos de ambos os longas, o que assinala uma assinatura autoral.
“O importante ao entrar na Amazônia era ter escuta e saber pedir licença para retratar o corpo do outro”, diz o cineasta, ao lado de um luminoso Rodrigo Santoro, que põe o filme no bolso em suas sequências sempre fluviais, como um barqueiro de coração partido.
“Eu estou fazendo 50 anos inserido numa sociedade que mede o valor das pessoas por sua produtividade e encontro um filme sobre uma personagem, a figura vivida pela Denise, que se recusa a aceitar o destino traçado”, disse Santoro ao Correio da Manhã.
No enredo da distopia filmada por Mascaro, o governo brasileiro passa a transferir idosos para uma colônia habitacional para “desfrutarem” seus últimos anos de vida em isolamento. Antes de seu exílio compulsório, Tereza, uma mulher de 77 anos (vivida por Denise em colossal atuação), embarca em uma jornada para realizar seu último desejo: ter dignidade... para com ela ser livre.
“Não pensei sobre a velhice ao interpretar a Tereza, até porque não vou ficar sentada numa cadeira de balanço fazendo crochê”, disse Denise ao Correio da Manhã. “Tereza tem curiosidade. Quem ainda tem vontade de fazer as coisas não quer envelhecer”.
O Festival de Berlim segue até o dia 23, sendo que, na véspera dessa data, o júri presidido pelo cineasta Todd Haynes anuncia os ganhadores dos prêmios oficiais (Ursos de Prata) e do troféu principal, o Urso dourado. “O Último Azul” se lança na dianteira da briga pelas láureas por sua originalidade ao abordar o etarismo, construindo um Brasil futurista, fictício, com regras próprias e toques de realismo mágico, como o caracol da baba azul, cujo visco dá clarividência a quem pingá-lo nos olhos.
O único concorrente forte de “O Último Azul” até aqui é “Dreams”, do mexicano Michel Franco, sobre um bailarino imigrante com risco de deportação apesar da carreira exitosa em San Francisco.