Morre Cacá Diegues, ícone do Cinema Novo, aos 84 anos

Cineasta equilibrou sofisticação artística e apelo popular numa obra de enorme relevância

Por Affonso Nunes

Cacá Diegues foi uma voz comabtiva da cultura brasileira durante a ditadura militar

Um dos grandes nomes do cinema brasileiro, o diretor Cacá Diegues morreu nesta sexta-feira (14), aos 84 anos, no Rio de Janeiro. A informação foi confirmada pela Academia Brasileira de Letras (ABL). A morte ocorreu em decorrência de complicações cirúrgicas. Sua obra equilibrou popularidade e sofisticação artística, abordando questões sociais, históricas e culturais com uma abordagem única. Cacá fez um cinema do tamanho do Brasil

Carlos José Fontes Diegues nasceu em 19 de maio de 1940, em Maceió (AL), e ainda na infância mudou-se para o Rio com a família. Sua trajetória no cinema teve início durante os anos de universidade, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde fundou um cineclube e começou a realizar produções amadoras ao lado de colegas como Arnaldo Jabor.

Foi um dos precursores do Cinema Novo, movimento que revolucionou a linguagem cinematográfica brasileira ao incorporar influências do neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague francesa, a partir do conceito "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça". Seu cinema, profundamente marcado pelo engajamento político e pela crítica social, refletiu os dilemas e contradições do Brasil, sobretudo durante os anos de chumbo da ditadura militar.

Divulgação - 'Xica da Silva', de Cacá Diegues, conquistou prêmios no Brasil e exterior

Entre suas obras fundamentais estão "Ganga Zumba" (1964), "A Grande Cidade" (1966) e "Os Herdeiros" (1969). Em 1969, devido ao seu envolvimento na resistência intelectual e política, exilou-se na Europa. Retornou ao Brasil na década de 1970 e consolidou sua filmografia com títulos como "Quando o Carnaval Chegar" (1972), "Joanna Francesa" (1973), "Xica da Silva" (1976), "Chuvas de Verão" (1978) e "Bye Bye, Brasil" (1980), este último considerado um dos mais emblemáticos do cinema nacional.

Na fase da Retomada, quando o cinema brasileiro recuperou fôlego após um período de crise, Diegues dirigiu "Tieta do Agreste" (1996), "Orfeu" (1999) e "Deus é Brasileiro" (2002). Seu último trabalho como diretor foi "O Grande Circo Místico" (2018), uma adaptação da obra homônima de Chico Buarque e Edu Lobo.

Da Alemanha, onde paryticipa da cobertura do Festival de Berlim para o Correio da Manhã, o crítico Rodrigo Fonseca analisou a trajetória do realizador e seu legado. "Cacá Diegues pensava como antropólogo, mas filmava como poeta. Seus filmes carregavam um fator raro entre seus pares de Cinema Novo: esperança otimista. Essas palavras nem sempre caminharam juntas na produção audiovisual feita neste país a partir do Golpe de 1964, quando ele fimou seu nome como realizador de longas com 'Ganga Zumba', no seio de uma geração que buscava fazer de seus filmes instrumentos de revolução. Seu modo de olhar o país sempre foi crítico, mas perfumado de (ultrar)romantismo, numa crença na habilidade de nosso povo transcender suas mazelas, sobretudo por sua inteligência pícara. Poucos retratos audiovisuais desta nação foram mais picarescos (e mais apaixonados) do que 'Bye Bye Brasil', sua obra-prima".

Reconhecido nacional e internacionalmente, conquistou prêmios em festivais importantes e foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2018, ocupando a cadeira deixada por Nelson Pereira dos Santos.

Em nota oficial, a ABL lamentou sua partida e expressou solidariedade à esposa, Renata Almeida Magalhães, e aos filhos. O legado de Cacá Diegues permanece vivo na cinematografia brasileira, como um dos principais cronistas audiovisuais do país.