Um ano depois de ganhar o prêmio de melhor curta na Berlinale com "Un Movimiento Extraño", o cinema argentino volta a clamar por seu direito à existência e à criatividade, em meio ao governo Milei, nas telas do festival alemão ao arrebatar elogios com "El Mensaje". É um dos exercícios de direção de maior vigor entre os concorrentes ao Urso de Ouro já exibidos. O cineasta Iván Fund apela para a linguagem visual do preto e branco para criar uma narrativa de tintas fantásticas sobre uma menina com o dom de falar com animais mortos. O clima de sua vida não é de assombro, apesar do que a premissa sugere, mas, sim, de doçura.
"Um filme não é um evento isolado, é uma expressão que está ligado ao que veio antes e ao virá depois", disse Fund à imprensa na Berlinale.
A seu lado, a produtora Laura Mara Tablón dava a medida dos problemas que a indústria cinematográfica de sua pátria passou a viver após a eleição de Milei. "Não há apoio hoje para nenhum filme", disse Laura ao festival.
Apesar da aspereza que teve em seus bastidores, "El Mensaje" celebra a doçura e o companheirismo numa estrutura on the road que lembra "La Strada" (1954), de Federico Fellini. "A evocação ao espectro de Fellini me deixa contente pois dialoga com o mundo do cinema no qual eu quero que 'El Mensaje' esteja inserido", diz Fund ao Correio da Manhã.
No roteiro filmado por Fund, a personagem central é uma criança em fase de dentes de leite com a capacidade de se comunicar com bichos, inclusive aqueles que estão na fronteira entre a vida e a morte. Um dos tutores da menina, Roger (papel de Marcelo Subiotto, do premiado "Puan") cuida dela como um tesouro, por razões sentimentais e profissionais. Roger agencia as consultas que a guria dá para quem anseia por contato com finados animaizinhos.
"É uma família periférica, que está cercada pelo mistério", disse Marcelo Subiotto, encarado hoje como o novo Ricardo Darín de nuestros hermanos.
Um dos integrantes do júri da Berlinale .75 (chefiado pelo diretor americano Todd Haynes) vem da Argentina: o cinesta Rodrigo Moreno, de "Os Delinquentes" (2023). No primeiro dia do evento, ele expôs a crise audiovisual de sua pátria na era Milei. "Zero filmes tem sido apoiados, mas vamos seguir fimando, ainda que por celular", disse Moreno. "O problema da situação atual é saber como os profissionais técnicos, em especial os mais velhos, vão se sustentar".
A Berlinale termina no dia 23, mas anuncia sua premiação antes, neste sábado. Até o momento, o concorrente brasileiro, "O Último Azul", dirigido pelo pernambucano Gabriel Mascaro, dispara como o favorito ao Urso dourado, com chances de troféu de Melhor Interpretação para Denise Weinberg. A trama discute etarismo a partir de uma reinvenção em tons mágicos do Brasil, numa jornnada fluvial por águas amazônicas. Tereza, papel de Denise se lança numa aventura rio acima a fim de evitar o confinamento que o estado impõe a maiores de 70 anos. "Dreams", do mexicano Michel Franco, é um concorrente forte também, ao expor como é bruta a sorte de quem vai para os EUA como imigrante.