Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Globo de Ouro para chamar de nosso

O diretor Walter Salles orienta sua protagonista Fernanda Torres no set de 'Ainda Estou Aqui'; o cineasta brasileiro não acredita que o filme possa ser indicado em três categorias, como pensa o chefão da Sony Pictures Classic que promove campanha massiva do longa nos Estados Unidos visando a disputa do Oscar | Foto: Divulgação

Domingo é dia de Globo de Ouro e o Brasil vai estar lá, representado por "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, numa celebração de talentos que coroa uma das atrizes de maior talento da tela grande, Viola Davis, com um troféu honorário. Cheia de trabalhos inéditos para estrear em 2025, como o drama "I Almost Forgot About You" e o thriller "G20", a estrela de 59 anos vai receber o troféu honorário Cecil B. DeMille, não só pela potência de seus feitos como atriz, mas pelo simbolismo que sua luta antirracista e seu engajamento em causas feministas agrega à Golden Globe Foundation.

É essa fundação que pode coroar o recordista brasileiro de público do ano passado, com 3 milhões de ingressos vendidos, com as estatuetas de Melhor Filme de Língua Não Inglesa e de Melhor Atriz, consagrando a interpretação de Fernanda Torres. Só as indicações já ampliam o cacife de seus concorrentes na Oscar Season. Outrora, acreditava-se que quem ganhava o Globo de Ouro seria oscarizado automaticamente, mas a História questionou esse postulado.

Votações dos sindicatos de Hollywood, sobretudo o Screen Actors Guild (SAG) e o Producers Guild of America (PGA), têm mais peso, pois refletem o gosto de quem (de fato) vota na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos EUA, que anuncia seus concorrentes no próximo dia 17. Apesar disso, o Globo, concedido desde 1944 por correspondentes da imprensa estrangeira em solo hollywoodiano, continua a ser encarado como chancela de prestígio, por alargar a visibilidade de títulos em circuito comercial, elevando sua receita numa temporada de premiações que termina no dia 2 de março, com a festança da Academia. Até lá, muitos longas-metragens vão mobilizar o circuito, cercados de potenciais favoritismos. A conquista do Globo dourado vai ajudar muitos deles, inclusive o drama de Salles sobre a peleja da ativista Eunice Paiva (papel de Torres) contra a ditadura militar.

Além de premiar o cinema, o Globo de Ouro também entrega troféus a produções de TV e de streaming. Na seara da dramaturgia serializada, os concorrentes com mais indicações são "O Urso" (na comédia, nomeado em cinco categorias) e "Shogun" (no drama, nomeado para quatro prêmios).


 

Pedras nos caminhos de Waltinho e de Fernanda

Tudo o que Imaginamos como Luz | Foto: Divulgação

Entre os concorrentes desta edição, o longa com mais indicações (dez) é o francês "Emilia Perez", de Jacques Audiard (exibido na abertura do Festival do Rio), seguido pelo americano "O Brutalista", de Brady Corbet, que concorre em sete frentes. O Globo de Ouro divide seu certame entre dois blocos de gênero: Drama, de um lado; Comédia/Musical (onde também entram tramas de terror), do outro. Sob tal divisão, Torres disputa a categoria de Melhor Atriz Dramática por "Ainda Estou Aqui", que traz seu diretor, Walter Salles, de volta à ribalta de Hollywood.

O cineasta conquistou o Golden Globe em 1999, por "Central do Brasil" (ganhador do Urso de Ouro de 1998), com Fernanda Montenegro (mãe de Torres), que também faz parte do longa sobre Eunice Paiva. Ela e a filha se revezam no papel da advogada (que nasceu em 1932 e morreu em 2018), em fases históricas distintas, com sequências em 1971, em 1996 e 2014, centrada na luta para expor crimes de estado durante o governo dos generais, de 1964 a 1985.

Exibido mundialmente pela primeira vez em setembro no Festival de Veneza, de onde saiu com o prêmio de Melhor Roteiro (escrito por Heitor Lorega e Murilo Hauser), "Ainda Estou Aqui" vai encarar o lúdico "Emilia Perez" na caça ao Globo de melhor produção de DNA estrangeiro. A produção parisiense vendeu 1.067.268 entradas em seu país. Lá mesmo, em Cannes, na disputa pela Palma de Ouro, Audiard ganhou o Prêmio do Júri pela saga (cantada em espanhol) de um chefão do tráfico do México, chamado Manitas, que transiciona e assume identidade feminina, renascendo como Emilia. O papel é da espanhola Karla Sofía Gascón, que saiu da Croisette com um prêmio coletivo de atuação feminina compartilhado com Adriana Paz, Zoe Saldaña e Selena Gomez. As duas últimas disputam o Globo de Atriz Coadjuvante.

No caminho de Waltinho estão ainda "Tudo O Que Imaginamos Como Luz" ("All We Imagine as Light", da Índia); "A Garota da Agulha" ("The Girl with the Needle", da Dinamarca); "Vermiglio", da Itália; e "A Semente do Fruto Sagrado" ("The Seed of the Sacred Fig"), um misto de drama e thriller com CEP do Irã que vem sendo indicado pela Alemanha, que o coproduziu. O motivo: seu diretor, Mohammad Rasoulof, nascido em Shiraz, há 52 anos, está sob perseguição das autoridades iranianas, e se refugiou em terras germânicas. Integrantes de sua equipe e de seu elenco foram presos.

A concorrência de Torres é forte. A carioca tem como adversárias Pamela Anderson ("The Last Showgirl"); Angelina Jolie ("Maria"); Nicole Kidman ("Babygirl"); Tilda Swinton ("O Quarto Ao Lado") e Kate Winslet ("Lee"). Premiada em Cannes, em 1986, por "Eu Sei Que Vou Te Amar", a estrela de marcos do nosso teatro ("A Casa dos Budas Ditosos") e de nossa TV ("Os Normais") vem sendo elogiada em todos os festivais por onde "Ainda Estou Aqui" já passou, incluindo mostras em San Sebastián, Nova York, Toronto e Marrakech. No enredo de Salles, sua personagem Eunice leva uma rotina feliz, no Rio do início dos anos 1970, com as filhas (Vera, Eliana, Nalu e Babiu) e o filho (Marcelo), até militares à paisana levarem seu companheiro, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva (papel de Selton Mello), para depor, sem explicações. Nunca mais dão notícias do paradeiro dele. Dali, ela se engaja numa cruzada em prol da verdade e vai estudar Direito para brigar contra as armadas de farda.

"Minha geração chegou ao cinema após 21 anos de ditadura militar. Muitas histórias não puderam ser contadas durante esses anos de chumbo", lembra Salles, em entrevista por e-mail ao Correio da Manhã. "Teria sido lógico abordá-las, mas o desastre do governo Collor no início dos anos 1990 nos obrigou a lidar com uma realidade imediata de um país novamente em crise. Quando a extrema direita começou a ganhar força no Brasil, ficou claro o quanto nossa memória dos anos de ditadura militar era frágil".

Ele e Fernanda trabalharam juntos antes em "Terra Estrangeira" (1995) e "O Primeiro Dia" (1998), ambos rodados em codireção com Daniela Thomas. Produzido por Maria Carlota Bruno ("No Intenso Agora") e Rodrigo Teixeira ("A Vida Invisível"), "Ainda Estou Aqui", que ganhou o prêmio de júri popular da Mostra de São Paulo, é o primeiro longa de ficção de Walter depois de um hiato de 12 anos, iniciado depois do lançamento de "Na Estrada" ("On The Road", 2012). Nesse período, ele lançou o .doc "Jia Zhangke, um Homem de Fenyang" (2014) e rodou curtas ("Quando a Terra Treme"). Em 1999, o cineasta concorreu ao Oscar com "Central do Brasil", mas perdeu para "A Vida É Bela", do italiano Roberto Benigni. Fernandona foi indicada em terras hollywoodianas também, mas foi preterida em favor de Gwyneth Paltrow, em "Shakespeare Apaixonado".

Nos demais quesitos do Globo de Ouro deste ano, a categoria Trilha Sonora tem como seu favorito o filme "Rivais", do siciliano Luca Guadagnino, com músicas de Trent Reznor & Atticus Ross. Entre suas canções está "Pecado", cantada pelo baiano Caetano Veloso.

Fenômeno pop na seara do body horror, "A Substância" ("The Substance"), de Coralie Fargeat, hoje em circuito e em streaming (na MUBI), conseguiu emplacar uma indicação de Melhor Atriz (de Comédia/Musical) para Demi Moore, repaginando a fama da diva dos anos 1980 e 90. Ela vive uma atriz fracassada que se submete a um experimento para rejuvenescer. Sua adversária mais forte é Mickey Madison, estrela de "Anora", que ganhou a Palma de Ouro de Cannes ao falar das peripécias de uma stripper ao se casar com um milionário russo doidão. Entre os atores, Sebastian Stan chama a atenção por ter sido indicado tanto front cômico quanto no dramático. Concorre por "O Aprendiz" ("The Apprentice"), no papel de Donald Trump, e por "Um Homem Diferente", que lhe valeu o Urso de Prata de Interpretação na Berlinale. Fala-se muto também de Daniel Craig, que tem um desempenho espantoso em "Queer", do já citado Guadagnino. Outro forte concorrente é Colman Domingo, à frente de "Sing Sing", como um presidiário que refaz a vida num projeto de teatro carcerário.

Maior fenômeno popular de 2024, com receita de US$ 1,6 bilhão, "Divertida Mente 2", de Kelsey Mann, vai concorrer ao Globo de Melhor Animação (contra o badalado "Flow", da Letônia) e ao Prêmio de Conquista Cinematográfica e Bilheteria. É uma categoria criada para valorizar blockbusters, que coroou o arrasa-quarteirão "Barbie" na cerimônia anterior. Seu maior adversário é a aventura baseada em HQs "Deadpool & Wolverine", que faturou US$ 1,3 bilhão, apoiada na fama de Ryan Reynolds e Hugh Jackman.