Lições afrourbanas de inclusão

Agitando as redes sociais, 'Enigmas no Rolê' põe o audiovisual do Mato Grosso do Sul em destaque no planisfério cinéfilo apoiada da força da juventude de Campo Grande

Por Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Produção do Mato Grosso do Sul, 'Enigmas do Rolê, de Ulísver Silva (no alto), demarca a força da educação para poromover processos inclusivos

Quem mandou a letra sobre a temática abordada (numa ótica decolonial) pelo filme "Enigmas no Rolê" - a educação - foi o baiano Milton Santos (1926-2001). Autoridade intelectual da Geografia em todo mundo, esse ícone da luta contra o racismo lacrou: "Eu acredito que a gente deveria abandonar o 'facultês', o 'universitês' e, se possível, tentar representar a realidade como um enredo". Quem soube traduzir (e bem) essa provocação de Milton foi o cineasta Ulísver Silva, que hoje põe a produção audiovosual do Mato Grosso do Sul ao alcance do circuito com seu longa-metragem sobre formas de aprender.

Mobilizando olhares via redes sociais, sua aventura de toada infantojuvenil traduz à perfeição as reflexões inclusivas abordadas pelo papa nacional da Geografia ao transformar aprendizado em aventura.

Em sua trama, o jovem professor Andread (Guilherme Godoy) desafia seus sobrinhos adolescentes, Eduarda (Maria Rita) e Edinho (Raul Enzo), a resolver cinco enigmas lógicos. A recompensa deles: ingressos para o show de rap mais aguardado dos últimos anos.

"Na trama, temos um jovem que tem consciência das divisões sociais existentes no Brasil e sabe que o fato de sua família ser de origem muito humilde coloca diversos obstáculos à frente deles e de seus sobrinhos. A história abre para o espectador um questionamento: até que ponto a gente tem que ir para criar condições para os jovens terem mais acesso a conhecimento e se prepararem melhor para encarar essa sociedade em que a gente vive?", questiona Ulísver, em entrevista ao Correio da Manhã.

Seu roteiro traz elementos da cultura afrourbana como parte central da sua estética, tanto na trilha sonora quanto no visual, abrangendo o uso de animações e elementos gráficos.

"Na trilha, o longa ora pende para o hip-hop, ora para o funk, com música tradicional africana em alguns momentos. Há o fato de termos um elenco majoritariamente negro, com diversos tons de pele. De certa maneira, a narrativa é clássica. Nós temos ali ato 1, ato 2 e ato 3, ou seja, temos todas as lições de roteiro que todo estudante de cinema aprende, mas, em termos artísticos, em termos de atmosfera, a cultura negra está presente de forma bastante maciça em cena", diz Ulísver.

Ligeiro, em seus 100 minutos de duração, "Enigmas no Rolê" foi exibido pela primeira vez ao público no último dia 5, no Teatro Allan Kardec, em Campo Grande (MS), onde foi rodado, em 2023. Com lançamento organizado pela distribuidora Fistaile, o longa está em exibição ainda no canal do YouTube https://www.youtube.com/@EnigmasnoRole.

"Esse é o primeiro longa-metragem de ficção desenvolvido e dirigido por uma pessoa preta no estado de Mato Grosso do Sul. É o primeiro filme de ficção infantojuvenil produzido lá. É o primeiro também com elenco fartamente negro. É o primeiro também cuja equipe é composta por jovens recém-formados no curso de audiovisual do Estado, que é o primeiro curso universitário do tipo na região. Assim, 'Enigmas no Rolê' rompe diversas barreiras, inaugura várias coisas", diz Ulísver. "A gente não vai encontrar no filme elementos que estão presentes em obras como a novela 'Pantanal', que aborda um outro nicho populacional, mais ligado à cultura do campo. Embora o longa se passe em Campo Grande, ele é focado em outra galera, que recebe forte influência da cultura negra, internacional e nacional".

O projeto nasceu de uma experiência pedagógica do realizador:

"Há uns anos, eu fiz um curso numa escola, a Supera, que tem um método bem curioso, um método que usa desafios lógicos e jogos como uma ferramenta para estimular o raciocínio dos alunos. É uma escola que usa exercícios para melhorar o raciocínio dos alunos. Eu achei muito bom esse método e ele me inspirou a criar o roteiro", diz Ulísver. "Temos um professor que adota uma forma de ensinar e o espectador é convidado a refletir se aquele jeito que o professor adota faz sentido ou não".