Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Cristian Boudier: 'A diversidade é o nosso lema'

Christian Boudier, diretor e curador do Varilux 2024 | Foto: Divulgação

Tem mais três dias de Varilux pela frente. A mais prestigiosa maratona francófona da América Latina, espalhada simultaneamente por 60 salas de projeção do Brasil, exibe nesta segunda produções europeias das mais variadas temáticas. É o caso da comédia "Mega Cena" (com sessão às 18h30, no Estação NET Rio) e do austero documentário "1874, O Nascimento Do Impressionismo" (às 18h35, no Estação NET Gávea).

"A diversidade é o nosso lema", explica o distribuidor Christian Boudier, curador e diretor do evento, que completou 15 anos em 2024.

A seleção francesa lapidada por Christian (em sinergia com Emmanuelle Boudier) garantiu às plateias brasileiras 19 longas-metragens inéditos. Inclua no pacote produções pilotadas por vozes autorais consagradas como Julie Navarro ("Apenas Alguns Dias"), Emmanuel Mouret ("Três Amigas"), Claude Barras ("Selvagens") e Quentin Dupieux ("Daaaaaalí!"). Essa fartura toda demanda espaço (leia-se tela), o que anda cada vez mais difícil diante da carência de políticas públicas que protejam a multiplicidade cultural.

Essa é a reflexão que Christian, responsável pelo lançamento de títulos provocativos a partir da distribuidora Bonfilm, traz na entrevista a seguir.

Como você avalia o atual arranjo estético do cinema francês e qual o espaço dele no Brasil?

Christian Boudier: Paixão antiga minha, o cinema francês alia diversão e inteligência e segue a mobilizar as plateias no Brasil, como comprovam êxitos recentes como "Anatomia de uma Queda". Em breve, "Emilia Pérez" (musical de Jacques Audiard escolhido para representar a França na briga pelo Oscar 2025) também vai chegar forte. Nesse cenário, nosso festival virou uma ferramenta de resistência. Quando eu distribuo meus filmes, o máximo que alcanço são 15 cidades. Com o Varilux, eu alcanço 60 cidades de forma simultânea. No passado, filmes que faziam cerca de 15 mil espectadores em nosso evento por vezes vendiam o dobro ou triplo de ingressos quando chegavam em circuito comercial. Com a covid-19 essa realidade mudou, sobretudo pelo fato de a cadeia de cinemas de rua ter se fragilizado depois da pandemia. No México, por exemplo, um filme como "O Conde de Monte-Cristo" (maior bilheteria francesa de 2024, com cerca de 9,2 milhões de ingressos vendidos em sua terra natal) somou um milhão de espectadores, mas, por lá, existem umas 6 mil salas de exibição. Ou seja, existe espaço. Aqui, o espaço é menor e a presença americana é esmagadora. Num cenário assim, um festival faz barulho para os filmes.

Vitórias recentes da França no cinema, como as Palmas de Ouro dadas a "Titane" e ao já citado "Anatomia de uma Queda", coroado ainda com o Oscar de Roteiro Original, e o Leão de Ouro dado a "O Acontecimento", influenciam como a frequência de público às salas?

Os prêmios ajudam, pois fazem os filmes existirem com mais visibilidade num parque exibidor pequeno. Nessa reta final do Varilux, estreia "Gladiador II", que vai bater forte no circuito. O cinema europeu acaba ocupando o espaço que sobra, mas essa fatia é ocupada também pelo cinema brasileiro. O que falta aqui é uma política pública que proteja as salas, que dê força para o cinema local e para outras filmografias essenciais à formação.

Qual é o maior sucesso da edição deste ano e quais os maiores êxitos do público do festival?

Christian Boudier: Este ano, tudo indica que "A Favorita do Rei", de Maïwenn (que o Estação NET Rio exibe nesta terça, às 16h35), vai ser o número um. Nas edições passadas, antes da covid, já tivemos ano em que chegamos a quase 200 mil espectadores. "Intocáveis", que exibimos em 2012, foi um dos nossos melhores resultados. "Perdidos em Paris" (de 2016) também foi um êxito. Em 2019, "A Revolução em Paris" (de Pierre Schoeller) foi um grande acerto, demonstrando o apreço do público brasileiro por produções francesas históricas. Ano passado, "Conduzindo Madeleine", com Dany Boon, foi um arraso.

Das 60 cidades do Varilux, fora Rio e São Paulo, qual é sua praça mais forte?

Recife. Há um trabalho forte dos cinemas por lá, e uma ação muito bonita da Fundação Joaquim Nabuco, para mobilizar o público.

Qual foi o filme que te fez amar o cinema francês?

Eu venho de um povoado no campo, na Borgonha, não a parte dos vinhos, mas da (plantação de) batata, onde não havia sala de cinema. A mais próxima ficava a uns 30 quilômetros. O primeiro filme francês que me encantou foi "Cyrano de Bergerac" (lançado por Jean-Paul Rappeneau, em 1990). Ele tem muita poesia, tem a força de (Edmond) Rostand (autor teatral responsável pelo texto por trás do roteiro), tem uma produção luxuosa. Foi o longa-metragem que me cativou.

Falando de marcos históricos, "O Sol Por Testemunha" (1960) foi o clássico do Varilux deste ano e terá sessões nesta terça (às 21h, no Estação NET Rio) e na quarta (às 18h, no Cine Santa Teresa, e às 19h, no Kinoplex Fashion Mall), celebrando o legado de Alain Delon (1935-2024), que morreu em agosto. O que ele simbolizou para o cinema francês?

Durão com cara de anjo, Alain Delon foi uma figura cheia de contradições, que encarnou os ideias de beleza, sobretudo os dos anos 1960, mas carregava luz e sombra consigo. Deu declarações machistas e apoiou a extrema direita, mas, inegavelmente, foi um ícone. Fez 90 filmes e somou quase 136 milhões de espectadores. Quem é que consegue isso?