Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

DNA Mastroianni

Chiara Mastroianni homenageia o pai mimetizando sua persona no longa experimental 'Marcelo Mio', de Christophe Honoré | Foto: Divulgação

Quem olha a foto ao lado pensa se tratar do mito Marcello Mastroianni (1924-1996), num clique colorizado de sua juventude, nos tempos de "La Dolce Vita" (Palma de Ouro de 1960), mas a pessoa em quadro é sua filha, Chiara, uma atriz premiada, fruto de seu relacionamento com a diva Catherine Deneuve.

A cena corresponde a um frame de "Marcello Mio", um arrebatador estudo sobre projeção (e sublimação), dirigido pelo francês Christophe Honoré. Vai ter sessão dele na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, na tarde desta terça-feira (22), às 17h, no Cinensystem Frei Caneca, e na quarta às 19h30, no Espaço Augusta 1.

Suas exibições - rola mais uma na sexta, às 13h, também no Frei Caneca - integram a seleção de títulos que o festival paulistano preparou para comemorar os 100 anos de Mastroianni.

O pacote inclui: "O Apicultor" (1986), de Theo Angelopoulos (quinta, às 16h, no Instituto Moreira Salles); "Olhos Negros" (1987), de Nikita Mikhalkov (dia 26, às 20h45, no Cinesystem Frei Caneca); "Três Vidas e Uma Só Morte" (1966), de Raúl Ruiz (dia 25, às 14h, na Cinemateca Espaço Petrobras); "Um Homem Em Estado... Interessante" (1973), de Jacques Demy (dia 28, 15h50, no Espaço Augusta); e "Viagem ao Princípio do Mundo" (1997), de Manoel de Oliveira, exibido no domingo pela última vez. É um painel nada óbvio dos feitos de um dos mais inquietantes astros da História.

"Sinto que todos somos um pouco Dom Quixote, no dia a dia certas ilusões são mais fortes do que a realidade", disse Mastroianni em "La Bella Vita", biografia escrita por Enzo Biagi.

É um livro que vasculha sua persona, a mesma que Chiara estuda e mimetiza em "Marcello Mio", que fez sua estreia em Cannes, na disputa pela Palma de Ouro.

Laureada na Croisette, em 2019, com o prêmio de Melhor Interpretação por "Quarto 212", de seu habitual parceiro Honoré, a atriz presta um lúdico tributo ao pai num filme no qual desconstrói sua identidade, trazendo antigos amores de seu passado (Benjamin Biolay e Melvil Poupaud) para a trama.

No enredo, Chiara enfrenta, aos 52 anos, uma crise pessoal e profissional ferrenha, cansada de ouvir por todos os cantos da França que é um clone de Marcello. Uma vez que a semelhança é tão feroz, ela decide viver como o mítico campeão de bilheteria italiano. Passa a se vestir como ele, passa a falar como ele. A incorporação de Chiara consegue ser tão convincente que as pessoas começam a acreditar e passam a chama-la de "Marcello". Em algum momento, contudo, essa metamorfose há de pesar sobre os ombros dela e de sua mãe, Catherine.

Em cartaz no Rio com "Inverno Em Paris", Honoré conversou com o Correio da Manhã, em terras francesas, sobre a performance de sua estrela assinatura.

"Meus roteiros existem para serem reinventados no set. Por isso, eu não ensaio, pois prefiro trabalhar com a matéria viva da descoberta. No caso de Chiara, ela é uma amiga e uma parceira de sets. Temos já afinação", explica o cineasta. "Com ela, eu tenho uma voz".