Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Pedro Diógenes: 'Para quem vive de arte, são sempre muitos 'não' para pouco 'sim''

O realizador Pedro Diogenes, premiado por 'Centro Ilusão' | Foto: Divulgação

 

Colecionando holofotes internacionais graças à potência de filmes como "Pajeú" (exibido no FIDMarseille, na França) e arrebatando plateias locais com engenhos afetivos como "A Filha do Palhaço" (2022), Pedro Diógenes é parte de uma geração que desenhou a relevância estética do Ceará na telona. Esse redesenho se deve a experimentos poéticos capazes de rastrear identidades territoriais e transcende-los. Em 2010, a Mostra de Tiradentes (MG) foi tomada de assalto pelo cineasta, e seu coletivo, o Alumbramento, a partir do qual ele, Guto Parente e os irmãos Luiz e Ricardo Pretti cunharam o seminal "Estrada Para Ythaca". Outras pérolas foram lapidadas por esse grupo. Depois, Diógenes seguiu em voos solo até arriscar um rasante com o comovente "Centro Ilusão", que lhe rendeu o prêmio de Melhor Filme na seção Novos Rumos do Festival do Rio. Um júri de tarimba, presidido pelo roteirista Lucas Paraizo (de "Aos Teus Olhos"), coroou a desenvoltura com que Diogenes vasculha a cena musical cearense ao retratar (re)educações sentimentais.

Na noite desta segunda-feira, às 21h40, "Centro Ilusão" será exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Reserva Cultural 2. Em cena, dois músicos de gerações diferentes se conhecem em uma audição para um concorrido laboratório de música na cidade de Fortaleza. Tuca tem 50 anos e se sente frustrado com sua carreira. Kaio, de 18 anos, é um aspirante a artista que deseja fazer sucesso com suas próprias composições. Tentando conquistar essa vaga importante, os dois jogam suas esperanças e sonhos na possibilidade de serem aprovados.

Tem mais uma sessão de "Centro Ilusão" na Mostra de SP no dia 29, às 13h, no Reserva Cultural. Na entrevista a seguir, Diógenes fala ao Correio da "cearensidade" de sua trama.

Qual é o espectro geracional de Fortaleza que você percorre a partir dos personagens Kaio e Tuca e o quanto esse registro de tempos e de modos de viver espelha o teu Ceará?

Pedro Diógenes: O filme "Centro Ilusão" nasce de questões bem pessoais e as crises e sonhos dos personagens se assemelham muito com as angústias e alegrias de qualquer um que vive de arte no Ceará... e no Brasil. Quem vive de arte tem que passar por muitas aprovações e são sempre muitos "não" para pouco "sim".

De que maneira a questão da amizade (dos encontros) delineia o seu modo de fazer cinema, o teu objeto narrativo?

Pensando nos filmes que realizei, consigo perceber que todos são filme de encontros. São narrativas que apostam na potência do encontro. O tanto que um encontro pode modificar nossos caminhos. Acho que a questão do encontro está não só na narrativa como também na estética. Os filmes também são encontros entres linguagens ou estéticas. "Inferninho" é o encontro do cinema com teatro; "Pajeú" é o encontro do documentário com ficção; "A Filha Do Palhaço" é um encontro entre cinema e o humor; e o "Centro Ilusão" é o encontro entre cinema e música.

Como funciona o teu desenho de luz numa narrativa que se propõe mais intimista?

Para construir o desenho de luz, eu conto com a parceria do fotografo Victor de Melo, que trabalha comigo desde que comecei a fazer a cinema. No "Centro Ilusão", a ideia sempre foi estar próximo dos atores e acompanhar de perto o nascimento dessa relação entre os personagens. Apostamos em dois caminhos diferentes de luz: nas cenas diurnas (no Centro de Fortaleza), a aposta foi na luz do sol, sem equipamentos de luz artificial. Já as cenas noturnas, a ideia era apostar numa construção maior da luz, um desenho menos realista.

Qual foi a cena musical da sua formação? O que existe de mais cearense nela?

Sou um apaixonado por música e ela sempre fez parte da minha vida. Tive uma fase rockeiro, depois uma fase MPB, daí uma fase de música experimental... mas sempre muito influenciado pela música cearense. Sempre ouvi muita música do Ceará, seja coisas mais clássicas como o Pessoal do Ceará (Fagner, Belchior, Ednardo, Teti, Rodger Rogério) e coisas mais contemporâneas, como Cidadão Instigado, Vitor Cozilos, Uirá dos Reis, Mateus Fazeno Rock, Clau Aniz, Di Ferreira. Para mim, é muito especial ter várias pessoas dessas duas cenas musicais cearenses participando do filme "Centro Ilusão".

Como você avalia hoje a produção de cinema no seu estado e de que maneira o governo local a ampara?

O cinema cearense vive um momento especial. Esse ano está muito importante para o cinema feito no Ceará porque, além de comemorarmos os 100 anos da produção cearense, também tivemos um recorde de filmes lançados em circuito nacional. Foram oito títulos lançados. O cinema cearense está se tornando cada vez mais múltiplo e plural. O que é muito importante pois nosso estado é gigante e precisamos de múltiplas formas de sermos representados. Parte importante dessa diversidade do cinema cearense se deve aos cursos de formação do Ceara.

O que a vitrine da Mostra de SP dá a "Centro Ilusão"? Que planos você tem para o festival paulista? Quais os próximos passos para o seu filme?

Muito importante a possibilidade de exibir na Mostra de São Paulo. A Mostra faz parte da minha trajetória e vários dos meus filmes foram exibidos no evento. Com "Centro Ilusão", as exibições se tornam mais especiais pelo fato de o nosso ator Fernando Catatau morar há muitos anos na capital paulista.