Único documentarista brasileiro a cruzar a marca do blockbuster e emplacar uma bilheteria na faixa do milhão ("O Mundo Mágico dos Trapalhões"), Silvio Tendler acaba de vencer uma dura batalha por sua saúde, após complicações cardíacas derivadas de uma estenose aórtica que o levaram a uma cirurgia às pressas.
De certa forma a projeção de seu novo longa-metragem, "Brizola - Anotações Para Uma História", na Première Brasil do Festival do Rio, nesta segunda, ganha um tom de celebração. A celebração de uma vida de realizações invejáveis nas telas.
Ninguém conquista o título de "papa do documentário histórico brasileiro" por acaso. Existe, contudo, um outro festejo simbólico na exibição do filme - sobretudo no dia seguinte a um processo eleitoral - que é a celebração da democracia, palavra de ordem desse retrato biográfico de um político combativo. Tem sessão dele hoje às 19h em duas salas do Estação NET Rio, a 1 e a 5.
"Quando foi governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola construiu mais de seis mil escolas lá: as 'Brisoletas'. O (jornalista) Caco Barcellos conta que o primeiro par de tênis que ele ganhou na vida foi dado numa 'Brisoleta', pelo Leonel", disse Tendler, ao Correio da Manhã durante o processo de filmagem do .doc.
"Na narrativa, tento quebrar paradigmas de seus antagonismos, relembrando, por exemplo, sua tensão com Roberto Marinho. Em seu governo no Rio de Janeiro, Brizola impôs que polícia não entra em favela chutando porta de barraco. É uma trilha essencial para entender o pensamento social dele".
Responsável por alguns dos mais polpudos faturamentos do cinema de não ficção no país, com o êxito popular de "Anos JK" (1980) e "Jango" (1984), o diretor idealizou o projeto a fim de investigar uma trajetória sociológica de pelejas. Tendler conta que Brizola só teve a primeira certidão de nascimento aos 11 anos de idade. Ele foi engraxate e boy em um hotel e, pelo próprio esforço, formou-se engenheiro, engajando-se na política estudantil.
Entra para o Partido dos Trabalhadores do Brasil (PTB) quando este ainda se encontra em formação e casa com Neusa, a filha do fazendeiro mais rico de sua região, no Rio Grande do Sul. É a filha do Coronel Vicente Goulart, irmã do ex-presidente João Goulart.
"Brizola teve o casamento dele abençoado pelo Getúlio Vargas e segue uma vida de trabalhismo afora. O sonho dele sempre foi o de chegar à Presidência da República. Tenta ser eleito ao cargo em 1965, por meio da campanha 'Cunhado não é Parente', mas o golpe de estado, em 1964, faz com que ele fique no exílio até 1979. São quinze anos. Ele volta ao Brasil e ganha o Governo do Rio de Janeiro, em 1982. Foi uma eleição que tentam garfar dele", conta Tendler.
"A luta que ele faz para ser governador do Rio de Janeiro é uma coisa forte no filme. Ele é eleito governador, constrói 600 Cieps no Rio de Janeiro, para deixar claro qual era do projeto de Brasil que ele tinha: deixar as crianças alfabetizadas na escola, bem alimentadas, saudáveis em prol de um país saudável", acresecnta Tendler.
"Quero propor uma nova abordagem política dele. Tive poucos encontros com Brizola e nunca fui brizolista, mas tenho respeito por ele. É por isso que eu aceitei esse projeto, pois só faço filmes do que eu não sei, para conhecer os personagens. Nesse documentário, eu tento quebrar paradigmas de seus antagonismos", reforça o mestre documentarista.
"Brizola - Anotações Para Uma História" tem mais um par de sessões no Festival do Rio: uma é nesta terça, às 14h, no Cine Santa, que volta a acolher o longa no dia 11, às 22h30.