Prestes a regressar às telas, via streaming, à frente da série "Monstros: Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais", no ar na Netflix a partir do dia 19, Javier Ángel Encinas Bardem tem um compromisso pela frente com o Festival de San Sebastián, em sua Espanha natal, que está há um ano atrasado. Em 2023, ele foi escalado para receber o prêmio honorário que é dado pelo evento, o troféu Donostia, mas teve que adiar sua participação na cerimônia de entrega em respeito à greve promovida por atrizes e atores de Hollywood, num pleito por melhorias das condições profissionais.
A classe fez sua luta e conquistou mais (e melhores) direitos sob os auspícios de estrelas do porte de Bardem, que será visto em breve ao lado de Brad Pitt no thriller esportivo "F1". No próximo dia 20, San Sebastián inaugura sua 72ª edição com a projeção de "Emmanuelle", de Audrey Diwan. Ao que tudo indica, a australiana Cate Blanchett, escalada para receber um dos Donostias de 2024, estará no abre-alas da maior maratona cinéfila de língua espanhola.
Javier vai lá também, defender a potência de seu país nas telas. Na ativa desde 1986, ele o astro esteve no festival basco pela última vez em 2021, agitando a competição oficial com "O Bom Patrão", comédia inédita em circuito brasileiro que está hoje em cartaz na plataforma Disney Plus.
"Muitos crimes são cometidos em nome da honra, mas, no caso do meu personagem nesse divertido longa, estamos falando de um sujeito que só pensa em si", disse Bardem ao Correio, ao falar da produção dirigida por Fernando León de Aranoa.
Indicada à Concha de Ouro de San Sebastián, esta deliciosa cartografia do capitalismo selvagem conquistou o troféu Goya, o Oscar da Espanha, em cinco categorias. Teve prêmio de melhor filme, direção, roteiro original, montagem, trilha sonora e ator, dado a Javier, que foi oscarizado por Hollywood há 16 anos. Ele ganhou a estatueta americana como melhor coadjuvante por "Onde os Fracos Não Têm vez", dos irmãos Joel e Ethan Coen.
"Um bom roteiro é um presente para um ator. E foi o que encontrei aqui ao falar de um homem cujo código particular de conduta profissional é uma simples desculpa para seu abuso de poder, para atropelar os direitos fundamentais de seus funcionários, para abusar da boa vontade de seus contratados. Encarnei uma pessoa antiética para que possamos, pelas vias do humor, entender a perversidade desse tipo de gente. Mas essa doença que ele encarna vem do olhar do Fernando (León de Aranoa), um diretor com quem tenho história", disse Bardem, em resposta ao Correio, em San Sebastián, ao falar sobre sua parceria com o diretor de "Segundas-Feiras ao Sol", lançado no Brasil em 2003.
Sintonizado com a tradição do cinema político europeu dos anos 1970, como o italiano "A Classe Operária Vá ao Paraíso" (Palma de Ouro em 1972), "El Buen Patrón" (título original) dá a Bardem seu melhor papel desde "Biutiful", drama de Alejandro González Iñárritu pelo qual ganhou o prêmio de melhor interpretação em Cannes, em 2010. Sob a direção de Aranoa, ele vive Hernán Blanco, sujeito vil que explora os operários de uma metalúrgica, fazendo-se passar por um pai para seus empregados. Ele disfarça seu sexismo numa postura avessa a práticas machistas, mas abusa das mulheres que o cercam, em nome do prazer. Uma funcionária (Almudena Amor) vai ser alvo de sua lábia, abrindo precedente para uma discussão sobre desrespeito e inequidade de gêneros no ambiente profissional. "Blanco acredita que o êxito profissional é uma desculpa para seus abusos", disse o ator.
San Sebastián vai entregar um terceiro Donostia este ano: o ganhador será Pedro Almodóvar. O realizador de "Fale Com Ela" (2002) vai exibir por lá "O Quarto Ao Lado" ("The Room Next Door"), melodrama sobre eutanásia com o qual conquistou o Leão de Ouro de Veneza no sábado passado.