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O olhar cosmopolita (e brasileiro) de Sergio Tréfaut

Com uma narrativa constuída a partir de imagens de fotógrafos como Sebastião Salgado, o documentário 'Outro País', de Sergio Tréfaut, explora o trata do levante popular que resultou na queda da ditadura militar portuguesa | Foto: Sebastião Salgado

Cineasta paulistano radicado na Europa desde jovem, Sergio Tréfaut não chea a ser um nome muito conhecido do público em seu país natal, mas construi uma sólida obra no audiovisal que agora passa em revista no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia, com retrospectiva completa de sua filmografia. A mostra Regresso ao Brasil, que começa nesta quarta-feira (11), relembra a obra marcante de Tréfaut com ficções e documentários desde que se Tréfaut passou a viver fora do país em 1975, aos 10 anos de idade, depois que seu irmão foi preso e torturado pela ditadura.

A mostra conta com 11 sessões que serão apresentadas pelo diretor, seguidas de debates com grandes nomes do cinema nacional, como Lucia Murat, Helena Solberg, Sandra Kogut, Amir Labaki, Beth Formaggini, Karen Harley e Edgar Moura.

Os filmes exibidos são multipremiados como "Outro País" (1999), documentário de estreia sobre a Revolução dos Cravos (atualmente exibido por todo o mundo por comemoração do cinquentenário da revolução); "Fleurette" (2002), perturbador testemunho sobre relações familiares; "Lisboetas" (2004), retrato incontornável dos imigrantes em Portugal neste milênio; até seu mais recente "A Noiva" (2022), retrato misterioso das noivas do Estado Islâmico, cuja estreia mundial foi no Festival de Veneza.

O primeiro filme exibido na Mostra, no dia 11 de setembro será "Outro País", que através dos olhares de fotógrafos e cineastas como Sebastião Salgado e Glauber Rocha trata do levante que resultou na queda da ditadura militar portuguesa.

Nosso crítico de cinema, Rodrigo Fonseca, comenta a relevância do trabalho de Sergio Tréfaut: "Encontra-se sempre uma centelha do trágico nas narrativas construídas por Tréfaut em sua forma de borrar as fronteiras entre realidade e ficção, por vezes amalgamando as duas, de olho nas fantasmagorias que nos assombram, seja pela via da brutalidade (como em "A Noiva") ou pela vereda do encantamento ("Alentejo, Alentejo"). Com "Raiva", construiu um trabalho de requinte gracilianamente plástico, muitas vezes comparado a "Vidas Secas", singular no uso do preto e branco, que lhe serve como cartão de visitas para seu cinema de investigações do peso do Tempo sobre as permanências da vida".

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Uma carreira ao largo das escolas de cinema

Em 'A Noiva, Tréfaut lança seu olhar sobre a forma como as mulheres sao tratadas em regimes islâmicos fundamentalistas | Foto: Divulgação

Sem passar por escolas de cinema, Tréfaut formou-se em filosofia na Universidade de Sorbonne, em Paris, e começou a carreira como jornalista em Lisboa, antes de se afirmar como produtor e diretor a partir da década de 1990. Praticamente todos os seus filmes (documentários e ficções em várias línguas) são retratos coletivos, retratos de comunidades, retratos a várias vozes, que nos levam ao Egito, à Ucrânia, ao Iraque, aos campos de extermínio nazistas na Polônia, aos jardins do Palácio do Catete e, sobretudo, a Portugal.

Sua obra foi premiada em diversos festivais internacionais como Moscou, Biarritz (Fipadoc), São Francisco, Documenta Madrid, Gigón, Les Écran Documentaires, Indielisboa, Doclisboa, Sevilha, Uruguai, Perugia, etc.

"Raiva", a sua ficção de maior sucesso, estreou no Brasil em 2019, ganhou o Globo de Ouro (Portugal) de melhor filme do ano e de melhor atriz. Também recebeu seis prêmios Sofia atribuídos pela Academia Portuguesa de Cinema: melhor filme, melhor ator, melhor atriz, melhor ator secundário, melhor fotografia, melhor roteiro adaptado.

Todos os seus filmes foram exibidos em festivais brasileiros, como a Mostra de São Paulo, o Festival do Rio e É Tudo Verdade, entre outros.

SERVIÇO

REGRESSO AO BRASIL

Centro Cultural da Justiça Federal (Av. Rio Branco, 241 - Centro)

De 11/9 a 11/10

 

Filmes da programação

Lisboetas | Foto: Divulgação

11/9

OUTRO PAÍS (1999, 70', documentário). Debate com Amir Labaki - A Revolução Portuguesa (1974-75) vista por alguns dos maiores fotógrafos e cineastas internacionais que testemunharam o evento. Um documentário que revela arquivos históricos excepcionais.

FLEURETTE (2002, 80', documentário). Debate com Helena Solberg - Uma história de família invulgar. Sérgio tenta compreender o passado de sua mãe, Fleurette, de 79 anos. Apesar da sua resistência inicial, pouco a pouco, Fleurette vai revelando quase uma outra vida.

18/9

RAIVA (2017, 85', ficção). Debate com Karen Harley - Alentejo, 1950. Nos campos desertos do Sul de Portugal, marcados pelo vento, pela miséria e pela fome, a violência explode de repente. Raiva é um conto negro sobre o abuso e a revolta.

TREBLINKA (2016, 61', ficção, ensaio). Debate com Sandra Kogut - Filmado entre a Rússia, a Ucrânia e a Polônia. Um trem-fantasma a caminho dos campos de extermínio. As vozes dos sobreviventes relatam o que não é possível mostrar.

25/9

LISBOETAS (2004, 100', documentário). Debate com Consuelo Lins - Um documentário musical sobre a onda de imigração que mudou Portugal no virar do século. Falado em 14 idiomas, Lisboetas é uma janela aberta para novas realidades: modos de vida, mercados de trabalho, direitos, cultos religiosos, identidades da imigração.

VIAGEM A PORTUGAL (2011, 75', ficção). Debate com Edgar Moura - 24 horas num aeroporto português. Entre todos os passageiros do seu avião, Maria, uma jovem ucraniana, é a única a ser detida pela polícia. A situação transforma-se num pesadelo quando a polícia percebe que o homem que a espera é senegalês. Imigração ilegal? Tráfico humano? Tudo é possível.

2/10

A CIDADE DOS MORTOS (2009, 62', documentário). Debate com Beth Formaggini - A Cidade dos Mortos, no Cairo, é a maior necrópole do mundo. Um milhão de pessoas vivem dentro dos cemitérios, onde há de tudo: padarias, cafés, escolas, teatros de fantoche. A Cidade dos Mortos é gigante mas funciona como uma pequena aldeia.

WAITING FOR PARADISE (2009, 14', curta-metragem) - Todas as semanas celebram-se casamentos na Cidade dos Mortos. São festas que duram vários dias, sempre dentro do cemitério.

ALENTEJO, ALENTEJO (2013, 98', documentário). Debate com Quito Pedrosa - Este filme contribuiu para que o Cante Alentejano fosse declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco. No Sul de Portugal, dezenas de grupos corais amadores reúnem-se para entoar antigos cantos polifônicos.

9/10

PARAÍSO (2021, 85', documentário). Debate com Ana Rieper - Um grupo de cantores amadores reúne-se todos os dias nos jardins do Palácio do Catete, antiga sede da Presidência do Brasil. Ao cair da tarde, homens e mulheres quase centenários revelam o sentido da vida através de antigas canções de amor.

ALCIBIADES (1992, 26', curta-metragem) . Debate com Marcelo Gomes - Fábula musical inspirada no Banquete de Platão. Num monólogo sem pudor, o jovem Alcibíades confessa as suas estratégias para conquistar o filósofo Sócrates - certo de que o saber pode ser transmitido por contato físico.

11/11

A NOIVA (2022, 81', ficção). Debate com Lucia Murat - Uma adolescente europeia foge de casa para casar com um guerrilheiro do Daesh. Torna-se uma noiva da Jihad. Três anos mais tarde a sua vida mudou dramaticamente. Vive num campo de prisioneiros no Iraque. É mãe de dois filhos e está grávida outra vez. Mas agora é uma viúva de 20 anos e será brevemente julgada pelos tribunais iraquianos.