Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Enciclopédia de divindades

Marilyn Monroe em 'Torrentes da Paixão' que o Estação NET Rio exibe no dia 14 | Foto: Divulgação

Nostálgicas à primeira vista, as páginas de "Divas - As Musas da Era de Ouro de Hollywood", que a jornalista Luciana Costa lança nesta segunda-feira (9), a partir das 19h, na Livraria da Travessa do Leblon, são um colírio capaz de abrir olhos cansados de algoritmos. Seus escritos expõem engrenagens que, criadas lá nos anos 1920 e 30, renovaram sua dinâmica de sedução de plateias. Autora do precioso "Um Amor de Gênio", sobre a série "I Dream of Jeannie", com Barbara Eden, a crítica cinematográfica carioca viaja no tempo, em sua nova pesquisa, ao demonstrar a permanência (e a pertinência) de uma mitologia calcada num binômio: carisma talento.

Só tem titãs em suas páginas: Marlene Dietrich, Joan Crawford, Claudette Colbert, Greta Garbo, Bette Davis, Judy Garland, Katharine Hepburn, Ingrid Bergman, Rita Hayworth, Ava Gardner, Esther Williams, Audrey Hepburn, Grace Kelly, Elizabeth Taylor, Sophia Loren e, indubitavelmente, Marilyn Monroe. Cada uma delas ganha um perfil de peso e um ensaio teórico falando sobre algum de seus trabalhos relevantes. Só que por trás dessa junção de ídolos de ontem (ou seria melhor dizer "de sempre"?), Luciana abre uma discussão sobre o lugar da "divindade" no mercado do entretenimento.


 

Além dos limites de boas atuações

Esther Williams em 'Escola de Sereias' | Foto: Divulgação

A discussão que o livro de Luciana Costa abre está antenada com gestos de grandes eventos cinéfilos, como o Festival de Veneza. Ao convidar a francesa Isabelle Huppert para presidir o júri do Leão de Ouro de 2024, entregue no sábado, o evento veneziano optou por confiar a liderança de sua principal mostra a uma atriz que transcende os limites da boa atuação e simboliza o valor da excelência aos olhos de audiências das mais variadas nacionalidades. Essa transcendência transforma a protagonista de cults como "Elle" (2016) e "A Professora de Piano" (2001) numa diva.

Uma conterrânea dela, Catherine Deneuve, está em cartaz no circuito carioca com "Bernadette", provando que as produções europeias sabem valorizar - e bastante - ícones femininos que, por décadas a fio, enfeitiçaram imaginários ao desafiar tabus. O Brasil também tem tesouros assim, basta citar Fernanda Montenegro, que acaba de arrebatar aplausos no Lido, dividindo com sua filha, Fernanda Torres, o papel principal de "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles.

Hollywood - já de olho nas duas brasileiras para as potenciais premiações que circundam a chamada Oscar Season - soube renovar sua constelação de grandes intérpretes, a julgar por Emma Stone, em cartaz no Rio com "Tipos de Gentileza". Essa renovação, contudo, não sucateou a relevância das divas de outrora, como comprova o lançamento do recente documentário "Faye: Entre Luzes e Sombras", sobre Faye Dunaway. É um .doc que debate interpretações icônicas e comportamentos vulcânicos. A recente morte de Gena Rowlands, no último dia 14, também deflagrou conversações sobre intepretações que mudaram a forma com que o cinemão encarava conflitos de gênero. Não por acaso, hoje, às 21h, quem sair da sessão de autógrafos de Luciana, pode dar um pulinho no Estação NET Botafogo e conferir o encanto que é a performance de Gena em "Uma Mulher Sob Influência" (1974), a ser exibido na mostra "Classiquíssimos".

As eleitas de Luciana, em seu livro, também terão a vitrine do Estação, só que no complexo NET Rio (da Voluntários da Pátria, 35), a partir desta quarta. O cinema organizou uma seleção de pérolas, sob a curadoria da autora, que será aberta com uma projeção de "Jezebel" (1938). Nesta quinta, às 18h30, tem "O Diabo Feito Mulher" (1952), seguindo (às 20h30), pela versão de 1954 de "Nasce Uma Estrela", com Judy Garland. Sexta é dia de Esther Williams, em "Escola de Sereias" (1944), e de Ava Gardner, em "A Condessa Descalça" (1954). A retrospectiva uma aula de História, essencial para as discussões sobre equidade e empoderamento.

 

Luciana Costa: 'Nenhuma mulher é apenas um frame!'

Luciana Costa | Foto: Divulgação

Dona de uma escrita fina, capaz de apontar os sintomas de exclusão do cinema feito hoje, Luciana Costa explica ao Correio da Manhã o simbolismo por trás de sua seleção de divas.

O que o coletivo de estrelas selecionado por você para o livro simboliza acerca da cultura do star system e da representatividade feminina no imaginário pop das telas?

Luciana Costa: Cada uma dessas atrizes foi escolhida a dedo justamente para mostrar suas reais personalidades, diferenças, semelhanças e retratar como eram moldadas pelo star system pra caberem no estereótipo em que os estúdios Hollywoodianos queriam encaixá-las. Eu quis focar principalmente no etarismo. Muitas atrizes maravilhosas eram descartadas pela indústria porque já não eram mais tão jovens. Algumas eram reaproveitadas com personagens de bruxas ou loucas, e muitas outras simplesmente caiam em ostracismo

Que parâmetros você usou para a escolha dessas atrizes e o que elas deixam de mais singular, como legado, para a construção de um imaginário cinéfilo?

Muitos pesquisadores fazem recortes da divas. Algumas estão em todas as listas, como Audrey Hepburn, Rita Hayworth e Marilyn Monroe. Eu foquei em protagonistas que tiveram o auge de suas carreiras na chamada Era de Ouro de Hollywood (entre os anos 1920 e 30) e os anos 1960 e que entraram para o imaginário popular e trouxeram algo novo, criaram algum estilo novo de interpretação ou imagem feminina. Vocês conseguem ver no livro os nomes mais óbvios e algumas surpresas.

De que maneira a mostra no Estação conversa com o livro e expande o debate que você levanta?

O livro conta com três filmes protagonizados por cada diva para representar momentos diferentes em suas carreiras. Na mostra, foi selecionado um desses três filmes (por atriz) e nós tentamos colocar os que foram menos exibidos aqui no Brasil. Tentamos sair um pouco do óbvio para que o público tenha a chance de conhecer algo que não teve oportunidade de ver, ou teve poucas oportunidades

De que maneira Barbara Eden, de "Jeannie é um Gênio" ("I Dream of Jeannie"), objeto do seu livro anterior, poderia ser simbolicamente associada a essas divas? De que maneira esse conceito de diva poderia se ampliar para os domínios da TV, das séries?

Interessante mencionar. Em 1957, Barbara protagonizou uma série pouco conhecida que era um remake de "Como Agarrar um Milionário", de 1953, protagonizado por Lauren Baccal, Marilyn Monroe e Betty Grable. Outro ponto interessante é que a Bárbara entrou para o imaginário popular como uma mulher lindíssima dentro dos padrões da época, mas quando chegou aos estúdios de Hollywood, disseram que ela não era bonita o bastante para ser estrela. Tanto as mulheres do livro "Divas" quanto a Barbara Eden em "Jeannie" foram marcadas por personagens. A ideia por trás dos meus livros é resgatar suas personalidades, suas histórias e suas trajetórias. Nenhuma mulher é apenas um frame!

Quem seriam as divas de hoje, do presente, que agitam o cinema na contemporaneidade?

Quando eu penso nisso, o primeiro nome que me vem à mente é Viola Davis. Uma atriz espetacular, que já passou e ainda passa por vários personagens diferentes, tem personalidade, defende causas e trabalha também como produtora, além de ser bonita, exuberante e ter muita presença. Poderia ainda pensar em outras como Lady Gaga, Madonna, Margot Robbie, Angela Basset, Meryl Streep, Gal Gadot... mas, com certeza, minha primeira opção seria Viola.

Qual foi a primeira estrela de Hollywood que fascinou seu olhar durante a sua formação cinéfila?

O primeiro filme que me fascinou na vida foi "O Mágico de Oz". Vi quando tinha 5 anos e fiquei obcecada. Então acho que se pode dizer que foi Judy Garland, com seus sapatos vermelhos.