Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

Cris D'Amato: 'A arte pode transcender barreiras linguísticase culturais'

A diretora Cris D'amato em Israel durante as filmagens de 'Viva a Vida' | Foto: Acervo pessoal

Abalada meses a fio, desde 2023, pelo recrudescimento de seu conflito com a Palestina, Israel vivia tempos menos alarmantes em 2022, quando Cris D'Amato - uma das diretoras de maior bilheteria do cinema brasileiro nos últimos 20 anos - foi até lá rodar a comédia "Viva a Vida". Um percurso longo pela pátria de cineastas consagrados como Amos Gitaï e Eytan Fox foi essencial para a construção do espírito de road movie que guia o novo longa-metragem da realizadora de "S.O.S. Mulheres ao Mar" - Partes I (2014) e II (2015).

Produzida por Julio Uchôa (parceiro recorrente de Cris) e sua Ananã Produções, essa saga de encontros e reencontros estrelada por Thati Lopes, Rodrigo Simas, Regina Braga e Jonas Bloch faz sua estreia mundial nesta sexta-feira (6) nos Estados Unidos, durante a competição oficial do 28º Inffinito Brazilian Film Festival, que termina no sábado.

Na trama, dois medalhões idênticos unem os destinos da antiquária Jéssica (Thati), uma jovem desiludida com relacionamentos, e Gabriel (Simas), seu primo. Os dois partem mundo afora atrás de uma terceira relíquia que pertence à misteriosa Hava (papel Regina), cuja rotina com o marido, Ben (Bloch), será sacudida com a chegada dessa dupla do Brasil em terras israelenses.

A trama é regada de bom humor, dosando gargalhada e doçura numa medida que fez de Cris uma craque nas narrativas populares. Nesta entrevista, ela fala da equação sentimental que buscou em Israel.

Qual foi a maior descoberta de filmar em Israel e de que forma as diferenças culturais daquela região pesaram na construção da narrativa?

Cris D'Amato: A maior descoberta de filmar em Israel, além das paisagens únicas, da língua completamente diferente e da rica história do local, foi a oportunidade de conhecer e trabalhar com uma equipe israelense de cinema. A colaboração entre os profissionais israelenses e a equipe brasileira resultou em um grupo coeso, unido pelo propósito comum de fazer o filme. A experiência foi marcada por um profundo comprometimento e entusiasmo de todos os envolvidos. Apesar de o inglês não ser a língua nativa de nenhuma das duas equipes, a comunicação fluiu de maneira quase mágica, graças à linguagem universal do cinema e da arte. O entrosamento dos técnicos no set de filmagem era emocionante. Esse ambiente de colaboração intensa e de troca cultural foi, sem dúvida, um dos pontos altos da experiência, mostrando como a arte pode transcender barreiras linguísticas e culturais, criando conexões profundas e autênticas entre pessoas de diferentes partes do mundo.

Como é que o projeto nasceu?

A ideia de filmar em Israel surgiu em 2016 e foi inspirada no conceito de criar um filme no estilo de "S.O.S. Mulheres ao Mar", ou seja, uma comédia romântica na qual nós mostramos os lindos cenários italianos, de Roma e Veneza, durante as paradas marítimas, mas apenas como pano de fundo de uma história. Em outubro de 2017, fiz uma viagem a Israel para conhecer e escolher os cenários onde contaríamos nossa história. Percorri de carro quase toda a extensão do país, com um olhar de turista, deixando-me surpreender, buscando lugares que fossem os mais diversos possíveis do Brasil, para despertar a curiosidade do público. Diversos lugares me impactaram, mas eu precisava escolher a favor da trama. A ideia foi mostrar, por meio das personagens Jéssica (Tathi Lopes), Gabriel (Rodrigo Simas) e Ben (Jonas Bloch), as surpresas que cada local oferecia, as diferenças culturais e a natureza exuberante, num road movie ambientado em um ônibus de turismo para brasileiros. Percorremos aproximadamente 350 km em direção ao sul do país filmando. A narrativa se beneficiou ao utilizar as diferenças culturais como elementos reais vividos pelos personagens brasileiros que se aventuraram na viagem, o que ajudou a criar uma história mais crível e envolvente.

O contexto político de conflito em Israel assustou de alguma forma?

O contexto político de conflito em Israel naturalmente gera preocupações, especialmente para quem não está familiarizado com essa realidade. No entanto, desde as visitas iniciais às locações em 2017 até as filmagens em dezembro de 2022, sempre nos sentimos seguros percorrendo o país. A experiência no dia a dia das filmagens foi tranquila. Estávamos em movimento constante, viajando de ônibus, vans e carros em direção ao sul (Tel Aviv a Eilat), e a possibilidade de qualquer coisa negativa sequer passava pela nossa cabeça.

Como você avalia a sua parceria com Julio Uchôa, que se estabelece desde sinergia em "Sem Controle", de 2007?

O Julio é um amigo e produtor muito especial na minha vida e carreira. Em 2005, eu era uma jovem 1ª assistente de direção que, entre um filme e outro, fazia análises técnicas para complementar o salário. Havia acabado de entregar para ele uma análise técnica que ele havia me encomendado. Dias depois, ele me ligou dizendo que o diretor não poderia mais fazer o filme e me perguntou se eu não gostaria de dirigir. Tentei dissuadi-lo, dizendo que não era fã do roteiro, e ele me deu carta branca para contar a mesma história principal da maneira que eu quisesse. Quem resistiria a isso?! Ele é o tipo de produtor que, se você apresentar um bom roteiro, vai abrir as portas e embarcar com você na busca por realizar o projeto. E o que mais admiro nele é sua crença no potencial dos jovens artistas. Se hoje sou diretora, é porque ele me deu minha primeira oportunidade em um filme de que me orgulho muito: "Sem Controle". Desde então, nossa amizade e parceria se fortaleceu, especialmente com a série de filmes "S.O.S. Mulheres ao Mar". Retomar a parceria no "Viva a Vida", depois de tantos anos, só fortalece nossos laços de amizade.

Você é hoje uma das diretoras brasileiras de maior bilheteria em nosso audiovisual. De que maneira você avalia a força desse seu sucesso para a consolidação de novos espaços para as mulheres na direção?

O sucesso de filmes de alta bilheteira demonstra que longas dirigidos por mulheres podem ter um grande impacto e alcançar um amplo público. No entanto, a grande bilheteira não é a única forma de ressaltar o talento e o potencial feminino na direção. É essencial acreditar que podemos fazer nosso trabalho sem impedimentos preconceitos. Na minha carreira, trabalhei com muitas mulheres que me inspiraram e ajudaram a ampliar minha visão como artista. Poder fazer parte dessa engrenagem de um efeito cascata positivo, ampliando oportunidades e promovendo maior diversidade no campo da direção, muito me orgulha.