Por: Rodrigo Fonseca | Especial para o Correio da Manhã

CRÍTICA FILME - HELLBOY E O HOMEM TORTO: Assombração com a grife Mignola

Jack Kesy assume a figura diabólica das HQs da Dark Horse Comics | Foto: Divulgação

 

Bem equilibrado entre ação e assombração, alternando sequências de batalha febris e cenas sinistras, "Hellboy e o Homem Torto" é um filme B sem medo algum de ser politicamente incorreto, capaz de evocar o charme dos clássicos horroríficos da produtora inglesa Hammer dos anos 1950 e 60. Seu desejo de transgredir o bom-mocismo lhe concede fôlego para oxigenar o filão dos longas-metragens baseados em super-heróis, hoje muito desgastados.

A estética brutal do diretor Brian Taylor, que se destacou nos anos 2000 pelos excessos da franquia "Adrenalina" (com Jason Statham), desafia a pasteurização plástica e narrativa de produções com vigilantes cheios de superpoderes. Nota-se uma assinatura autoral formal em sua direção, conforme acompanhamos uma trama que explora as cartilhas do folk horror (enredos de ambientação rural, com manifestações sobrenaturais do campo, da floresta).

Há um componente a mais, contudo, que imprime singularidade nessa tentativa de se resgatar a atividade cinematográfica de um anti-herói best-seller: a escalação de seu criador, Mike Mignola, como roteirista e como supervisor de dramaturgia. O maior achado desta produção, estrelada por Jack Kesy, está na presença criativa dele.

Definido por alguns como "mistura de expressionismo alemão com Jack Kirby" (em referência ao quadrinista de traços quadrangulares famoso por sua parceria com Stan Lee) e por outros como um "cubista pós-moderno", Mignola virou um dos artistas gráficos de maior prestígio na indústria de HQs - em âmbito global - sendo estudado também no ambiente acadêmico. Sua forma de contorcer a anatomia humana e a animal (ou mesmo a de monstros) quebra com as convenções helênicas do desenho, estabelecidas como marca de excelência nos quadrinhos por Alex Raymond ("Flash Gordon") e Hal Foster ("Príncipe Valente"). Seu jeito de desenhar estilizou-se e virou grife a partir do êxito de "Gotham 1889", graphic novel lançada em 1989, na qual o Batman enfrenta Jack o Estripador no século XIX.

Anteriormente a essa fase de bonança, o que lhe sobrava era a função de ilustrar capas na Marvel (na revistinha da Tropa Alfa) e na própria DC, onde cuidava do Vingador Fantasma.

Foi nas páginas desse personagem, um ocultista, que Mignola se aproximou do universo no qual construiu sua fama: o horror. A tentação de poder criar um mundo capaz de aproximar as narrativas heroicas de premissas demoníacas e fantasmagóricas levou o ilustrador e roteirista a lançar, em 1993, a figura de Hellboy, cria do Inferno dedicada a proteger os seres humanos da entropia, graças à empatia que nutre pelas diferenças (de raça, de credo, de gênero).

Em 2004, o ator Ron Perlman emprestou a Hellboy todo o seu carisma e abriu espaço para que quadrinhos de selos editoriais médios ou pequenos conquistassem holofotes no audiovisual ao mesmo tempo em que Sam Raimi filmava o Homem-Aranha, Bryan Singer explorava os X-Men e Christopher Nolan investia no Batman.

Depois de uma passagem pelas séries de streaming, Taylor retorna ao cinema com a ajuda ilustre de Mignola e a sábia atuação de Jack Kesy, hábil ao explorar a amargura que tonifica Hellboy. Filmou a saga do Homem Torto na Bulgária, extraindo requinte do chiaroscuro, na fotografia de Ivan Vatsov. Sua opção dramatúrgica foi criar um conto de horror sobre bruxaria, ambientado durante a década de 1950, com base numa minissérie homônima de Mignola de 2008: "The Crooked Man".

Na tela, Hellboy (Kesy) se une à agente Bobbie Jo Song (Adeline Rudolph) numa missão nas Montanhas Apalaches, em luta contra aracnídeos gigantes. Há, contudo, um perigo maior no local, que remonta à manifestação histórica de bruxas. Além de feiticeiras, representadas por Taylor numa (bem-vinda) decantação dos arquétipos da bruxaria, a região é alvo de um ser conhecido como O Homem Torto, que, sob as ordens de Satanás, age como um coletor de almas. Conforme investiga os desígnios desse ente sinistro, com a ajuda do bruxo reformado Tom Ferrell (Jefferson White, em inspirada interpretação), Hellboy é obrigado a confrontar segredos de seu passado e buscar um novo direcionamento para sua relação com o Bem.

O saldo de "Hellboy: The Crooked Man" é um competente exercício de cinema de gênero que aposta mais no espanto do que nas filosofias do vigilantismo, bem como se lê nos títulos desenhados e escritos por Mignola.