Mais de dez anos atrás, em 2013, Bruno Barreto estreou dois filmes díspares no circuito: a comédia "Crô", que adaptava aos cinemas o personagem interpretado antes na TV por Marcelo Serrado, e o drama "Flores Raras", no qual Gloria Pires e Miranda Otto viviam respectivamente a arquiteta Lota de Macedo Soares e a poeta Elizabeth Bishop.
No hiato da última década, Barreto se dedicou a vários projetos de séries de ficção e documentário. Ele chega agora a 2024 com dois títulos lançados em sala, ambos comédias sobre relações familiares: "Vovó Ninja", que estreia nesta quinta, e "Férias Trocadas", exibido em maio. O diretor ainda tem um inédito, a comédia adolescente "Traição entre Amigas", com Larissa Manoela.
São projetos com cara de encomenda nos quais Barreto, cineasta que nunca escondeu o pendor de fazer filmes populares e comerciais - tendo sido, por décadas, o campeão nacional de bilheteria com "Dona Flor e seus Dois Maridos", de 1976 -, atua como artesão.
No caso de "Vovó Ninja", a atenção maior está em Gloria Pires, repetindo parceria com o cineasta depois da boa repercussão de "Flores Raras". São, porém, propostas diametralmente distintas. Desde o cartaz, é perceptível o quanto o novo filme quer se apresentar como um passatempo para toda a família.
Ares de "Sessão da Tarde" surgem já nos primeiros instantes, num prólogo mostrando crianças a brincar numa região rural e temendo entrar no terreno de uma mulher supostamente descontrolada e perigosa. O tom é de humor simples e infantil, algo entre "Sítio do Picapau Amarelo" e algum derivado dos Trapalhões, mas o anticlímax da cena inicial ainda não deixa que se perceba, de fato, do que se vai tratar.
No avançar do enredo, "Vovó Ninja" se revela, em sentido mais amplo, uma narrativa sobre o choque entre cidade e campo na perspectiva das três crianças netas de Arlete, personagem de Glória.
O trio vai passar parte das férias no sítio da avó. Logo na chegada delas, as imagens do filme se expandem em paisagens abertas e espaçadas. Elas ilustram os conflitos entre a juventude hiperconectada e de pouca interação social e as exigências rigorosas da avó de fazer as crianças curtirem natureza e comida saudável, que são a tônica principal do longa.
Não é exatamente assim. Todas as relações e dramas são bastante telegrafados, com certo estilo de diálogos de novela que mostram, de partida, a relação mal resolvida entre Arlete e a filha, vivida por Cleo Pires. O distanciamento entre as duas é o disparador do filme justamente porque ficar com as crianças no sítio é também obrigar Arlete a construir vínculos que ela nunca conseguiu.
Os motivos disso estão, de certa forma, no título do longa-metragem, mas a ideia de "ninja" aqui é uma visão estritamente infantil e limitada do fato de que a mulher é campeã de kung fu. Não à toa, quem a aponta como "ninja" é a criança mais jovem, Davi, vivido por Angelo Vital, que se empolga ao descobrir que a avó domina golpes certeiros contra uma turma de ladrões no meio da madrugada.
Muita coisa se acumula num filme cuja superficialidade parece ser deliberada pela própria despretensão. Tanto o roteiro de Gustavo Acioly e Rodrigo Goulart, com colaboração de Gloria Pires, quanto a direção de Bruno Barreto fazem o trabalho básico de deixar a trama andar, atravessada por conflitos pouco estimulantes e um "timing" relativamente desconjuntado nas potenciais boas piadas ou nas cenas de mais movimentação e luta.
Talvez isso aconteça porque a vontade de "Vovó Ninja" parece ser, de fato, a costura do relacionamento perdido entre mãe e filha, algo que o filme, mesmo com apenas 90 minutos, demora e redunda um bocado até finalmente alcançar.
É como se o drama de família propulsor do projeto fosse retido pela aventura infantojuvenil cheia de brigas entre vizinhos por bolas de futebol, de caçadas a tesouros escondidos embaixo de pedras ou de indícios de um começo de puberdade.
Entre uma coisa e outra, "Vovó Ninja" ainda quer transmitir o impacto de escolhas estritamente pessoais na intimidade de um núcleo afetivo, usando a filosofia do kung fu como algo um tanto alheio à realidade dos demais personagens. É muita coisa para uma estrutura dramática ligeira demais.