Com raízes fincadas no livro homônimo do xamã Davi Kopenawa e do antropólogo Bruce Albert, o experimento documental “A Queda do Céu”, de Gabriela Carneiro da Cunha e de Eryk Rocha, vai representar o Brasil na Quinzena de Cineastas do 77º Festival de Cannes, neste domingo A mostra rola paralelamente à competição oficial pela Palma de Ouro e, este ano, terá um prêmio especial de júri popular.
Editado pelo bamba da montagem Renato Vallone, o filme é centrado na festa Reahu, ritual funerário e a mais importante cerimônia dos povos Yanomami, que reúne centenas de parentes dos mortos com a finalidade de apagar todos os rastros daquele que se foi e assim colocá-lo em esquecimento. A partir de três eixos fundamentais do livro (Convite, Diagnóstico e Alerta), o longa apresenta a cosmologia do povo Yanomami, o mundo dos espíritos Xapiri, o trabalho dos xamãs para segurar o céu e curar o mundo das doenças produzidas pelos não-indígenas, o garimpo ilegal e o cerco promovido pelo povo da mercadoria e a vingança da Terra. “‘A Queda do Céu’ é a expressão cinematográfica do arrebatamento que tivemos ao ler o livro, mas principalmente da nossa relação e do que foi vivido em carne, osso e espírito ao longo dos últimos sete anos ao lado de Davi, Watorik e os Yanomami”, diz Gabriela, também atriz. “É um filme aonde a câmera não olha só para os Yanomami, mas para nós não indígenas também. E isso sempre foi um fundamento do filme tanto para mim quanto para Eryk. Trabalhamos para fazer um filme que expressasse a materialidade onírica de uma relação”.
Filho de Glauber Rocha (que foi laureado na Croisette, há 55 anos, com a láurea de Melhor Direção por “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”), Eryk regressa a Cannes oito anos depois de ter saído de lá com o troféi L’Oeil d’Or (a Palma dos filmes documentais) por “Cinema Novo” (2016). Há 20 anos, ele esteve lá também com o curta “Quimera”, codirigido por Tunga. “Uma alegria imensa retornar ao festival. Agora, com a ‘A Queda do Céu’ na Quinzena de Cineastas, será uma belíssima oportunidade e uma dupla celebração: de ver e ouvir explodir na tela o sonho e a luta do povo Yanomami e da força poética e geopolítica do xamã, filósofo e líder Davi Kopenawa. Celebra-se ainda a chance de acompanhar a trajetória de um cinema em que acreditamos e que está fora dos modismos e das convenções. Um cinema sem fórmulas, que navega no desconhecido, que transita entre a materialidade e o espírito e cuja linguagem surge da nossa relação com os Yanomamis e a comunidade de Watorik, e que nasce, também, do nosso encontro com artistas Yanomamis que participaram criativamente da realização deste filme”, comenta Eryk.