Por: Rodrigo Fonseca | Especial para Correio da Manhã

Cannes embarca na Caravana Rolidei

José Wilker vive Lorde Cigano em 'Bye Bye Brasil', um clássico nacional | Foto: Divulgação

Ao lado de um filme póstumo de Jean-Luc Godard ("Scénarios"), de uma série sobre Costa-Gavras e de uma projeção comemorativa dos 70 anos de "Os Sete Samurais", a seção Classics do 77º Festival de Cannes (14 a 25 de maio) vai prestar um tributo a uma das produtoras de maior prestígio da América Latina - que tem DNA brasileiro. A LC Barreto terá seus 60 anos de atividade festejados na mais prestigiosa mostra de cinema do mundo com direito a exibição de "Bye Bye Brasil" (1979), dirigido por Cacá Diegues.

Lucy Barreto foi a responsável para que esse clássico nacional, visto por 1.488.812 pagantes e indicado à Palma de Ouro, saísse do papel. Ela vai à Croisette para a homenagem, ao lado de sua filha Paula e do companheiro de vida e de projetos, Luiz Carlos, o Barretão. Ao lado dele, Lucy comemorou duas indicações ao Oscar conquistadas pela LC, a primeira dada a "O Quatrilho", em 1996, e a segunda, a "O Que É o Isso, Companheiro?", em 1998.

"Essa homenagem é para o cinema brasileiro em peso, não para mim. Os 60 anos de existência da LC mostra a luta que toda produtora tem que ter no Brasil para sobreviver. Não é apenas a questão de fazer um bom filme, é entender como o mercado está para poder receber nossos longas e acolhê-los da melhor forma", diz Lucy, que deve celebrar o aniversário de sua batalha em prol do audiovisual em outras praças, além de Cannes. "Estamos conversando com Nova York, no Lincoln Center, para um evento em setembro. Para outubro, estamos em conversa com a Cinemateca Alemã e, em novembro, nossa meta é Portugal. Temos papos ainda com a Inglaterra e a Itália. Fora isso, estou produzindo novos filmes, que é o nosso papel".

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'Xica da Silva', o passaporte para 'Bye Bye'

| Foto: Divulgação

Para os próximos meses, Lucy barreto deve presentear o circuito com a aventura "Vovó Ninja", com Glória Pires, e com a comédia "Traição Entre Amigas", com Larissa Manoela. Finaliza de quebra "Deus Ainda É Brasileiro", com Antonio Fagundes sob a direção do já citado Cacá Diegues, que teve seu "Bye Bye Brasil" incluído na lista dos cem melhores filmes brasileiros de todos os tempos votada pela associação de críticos Abraccine.

"Depois de ver 'Xica da Silva', eu fiquei encantada com o trabalho do Cacá, e procurei-o para que desenvolvêssemos um projeto. Ele me propôs filmar 'Tereza Batista Cansada de Guerra', do Jorge Amado. Fui atrás dos direitos, mas Jorge pediu um preço nas alturas, entusiasmado com o sucesso que fizera seu 'Dona Flor', filmado pela gente, na LC. Disse para o Cacá: 'Você não pode pensar numa outra coisa'. Aí ele me veio com um parágrafo: 'Um casal de artistas mambembes viaja pelo Brasil com um casal de camponeses, descobrindo um novo país'. Ora, num momento em que a televisão se espalhava por toda a nação, aquela ideia soou ótima. Aí eu sugeri que ele fizesse uma viagem, acompanhado por um bom roteirista - que, no caso, era o Leopoldo Serran -, para pesquisar", lembra Lucy. "Na sequência, Cacá falou com o Chico Buarque para fazer a música e deu naquela beleza".

Na trama de "Bye Bye Brasil", o sanfoneiro Ciço (Fábio Jr.) e a mulher, Dasdô (Zaira Zambelli), que está grávida, são surpreendidos pelo encontro com a Caravana Rolidei, um circo sobre rodas. A companhia itinerante é formada pelo mágico Lorde Cigano (José Wilker), a dançarina Salomé (Betty Faria) e o Rei dos Músculos, Andorinha (Príncipe Nabor). Ciço, apaixonado por Salomé, decide acompanha-los pelo país adentro, arrastando Dasdô, que tem seu parto feito de improviso por Cigano, recebendo uma bebezinha, Altamira.

"Esse foi o filme mais difícil de toda a minha carreira na produção. Eu tinha três equipes em ação, simultaneamente. Era uma equipe produzindo, na frente de todo. Era a equipe do Cacá, na filmagem. Era a equipe de desprodução. Lembro de falar com o Cacá: 'Se você for filmar a Amazônia, que fazê-lo de helicóptero, para registrar aquela beleza toda da floresta do alto. O Brasil tem que ser ver nesse filme. Você vai descobrir novos horizontes e eu, também", diz Lucy. "Não conhecia o Amazonas, não conhecia a região de Altamira. O filme me deu a chance de compreender toda a diversidade de nosso país. Filmamos os exteriores em locações e, algumas cenas de interior, foram feitas no Rio. Depois, quando o dinheiro escasseou, a gente filmou exteriores aqui no Rio mesmo. Esta cidade é um estúdio vivo, um dos maiores deste mundo".